Caviart, a extravagância do esturjão, champanhe e caviar.
Aconteceu ontem, no Hotel Bela Vista, cinco estrelas, na algarvia Praia da Rocha. Um jantar gourmet para apenas 26 comensais servido com mimo e primor por uma equipa treinada e atenta a todos os detalhes. O Caviart foi promovido por Aviworld, representante em Portugal de produtos gourmet de luxo como o champanhe francês Pierre Mignon, o caviar de estilo russo Riofrío e o vodka Imperial Collection.
O preço da extravagância foi de 150 euros por comensal, uma absoluta pechincha se contabilizarmos a quantidade pantagruélica de caviar, esturjão, vodka e champanhe servida em 15 pratos assinados pelo chef do Vista, João Oliveira e o chef convidado, Diego Gallegos - uma estrela michelin, do Sollo em Málaga. A experiência gastronómica foi absolutamente memorável e recomenda-se uma próxima edição.
Espiões, Monarcas e Pedigree Histórico
O cenário escolhido para esta valsa a três tempos de caviar, champanhe e vodka, foram os salões daquele que foi o primeiro hotel do Algarve e que ainda mantém viva a sua personalidade histórica: o Hotel Bela Vista em Portimão. Lugar de encontro de espiões e políticos durante a Segunda Guerra Mundial, ao longo dos seus 100 anos de história, este hotel foi palco de festas e lugar de veraneio para artistas e monarcas europeus e latino-americanos. Hoje, prova desse pedigree histórico, preside no hall do hotel, um piano de cauda oferecido pelo barão finlandês, Carl Gustaf Mannerheim.
O rendez-vouz estava marcado junto ao piano por volta das 19:30 com Rui Morais, o anfitrião da noite, diretor-gerente da Aviworld. No bar, decorado com mosaicos italianos, madeiras nobres do Brasil, painéis de frescos e toques de âmbar, ouve-se já o chocalhar dos shakers. Os cocktails de vodka que abrirão este festival gastronómico estão em franca preparação. Apresentam-se os comensais, trocam-se saudações, um misto de vozes, perfumes e joias em crescendo à medida que os cocktails de vodka produzem o seu efeito. O embaixador da marca Imperial Vodka, Luis António e o barman residente do Bela Vista, João Silva, estão em viva azáfama por detrás do bar. Enchem-nos os olhos com o "Red Temptation" um cocktail de frutos vermelhos, com campari, vodka, compota de frutos, sumo de gengibre, zest de laranja e perfume de June. Um preparado ligeiramente doce e com um bom toque cítrico final. O outro cocktail da noite, clara homenagem à história dos espiões, foi o "James Bond", elaborado com vodka, porto branco, funcho do mar e solução salina à base de salicórnia.
E então, começou a extravagância do caviar. Chegaram uns mini canapés elaborados com generosas porções de caviar: os clássicos blinis reinventados com esturjão fumado, maionese de funcho do mar e caviar e os lingueirões fumados com caviar, esturjão, maionese de endro e casca elaborada com massa de algas fritas.
Um menu extravagante: 15 pratos de esturjão e caviar.
Ao sentar-nos à mesa esperava-nos uma degustação de azeite de três variedades de azeitona, da mais suave à mais complexa e picante: a galega, a frantoio e a curbelo acompanhada de pão caseiro alentejano. O azeite servido em pipetas de vidro provém do segundo ano da colheita privada em Cuba, Alentejo, de Daniel Proença de Carvalho, proprietário do hotel. Como é expectável num jantar temático, a manteiga foi também trabalhada com o ingrediente estrela, servida em esferas de manteiga clarificada de leite de cabra e caviar.
Tiago Pereira, sommelier do Vista serviu com pompa o primeiro champanhe Pierre Mignon. As composições gastronómicas vinham em pequenas doses, plenas de arte e sabor. Iniciou-se o concerto pantagruélico com uma composição crocante de "Esturjão, noisette e rabanetes" servida em tábua de pedra natural assinado pelo chef residente. Oliveira, um dos novos favoritos portugueses para a estrela michelin é um chef jovem mas com um currículo invejável: passou pela Casa da Calçada, em Amarante, The Yeatman em Gaia e depois de uma breve passagem pelo Vila Joya, afincou na cozinha do Vista.
Seguiu-se uma "Cortiça verde" um mimo crocante e leve elaborado com pele seca de esturjão, recheada com os seus miudos, alga spirulina liofilizada. Para que possa imaginar este prato na sua boca, é uma espécie de chip estaladiço com sabor intenso a mar. Este prato foi assinado por David Gallegos, chef brasileiro a residir em Espanha há vários anos, conhecido também como o “chef do caviar”.
Ainda dentro do capítulo das pseudo-entradas, surgiu o "Alma de Caviar e ovo de codoniz", uma cestinha com palha onde descansavam dois ovinhos de codorniz panados, pérolas de arroz, creme de caviar e pó de sames de bacalhau. Seguiram-se duas das minhas entradas favoritas da noite: o molusco pé de burro, com caviar e funcho do mar, com aroma a folha de aipo servido em concha e depois, a genial Kimchi (couve coreana fermentada com açúcar, especiarias e vinagre) numa cama de lima, com esturjão fumado e caviar. Esta criação foi ideada para degustar a dois tempos, primeiro entranhar a delicada montanha de couve e caviar e em seguida espremer o sumo de lima para o topo da língua. Todo um espetáculo sensorial. Sem sombra de dúvidas, a minha entrada favorita e que me recordou levemente ao glorioso “ceviche de gambas” apresentado por José Avillez, na edição de 2015 da Kitchen Party do Conrad Algarve (ver post aqui).
Para abrir o segundo ato, veio novo champanhe, um Pierre Mignon Harmonie de Blancs, Grand Cru, elaborado com 100 % de chardonnay, com bolha presente e sabores complexos a maçã verde e frutas em calda. Já se sabe que o paladar é muito pessoal, eu encontrei-lhe uma dominante nota aromática a bolo rei e casca de limão. Estamos a falar de champanhes de tipo gastronómico, que ganham e também enriquecem se degustados com comida.
Gostei também do "Esturjão fumado braseado, vinagrete asiático e capuchinhas (flor e folhas comestíveis), cebolinha confitada, creme de laranja algarvia e emulsão de clorofila" mas fiquei fascinada com o "falso ravioli de esturjão, coco e gengibre" servido com uma emulsão quente baseada na sopa tailandesa de galangar, lima kefir, frango e leite de côco.
É impossível descrever aqui todos os pratos ao pormenor, mas destaco o "Esturjão com mexilhao e pickle de curgete, emulsão de esturjão, puré de ervilha fresca, espargo do mar" e o “Esturjão bravo” em cama de tomate com hortelã. A apresentação quase simplória do "esturjão bravo"não fazia antever a explosão de sabor, pimentão (la vera) e especiarias. Analogia entre as patatas "bravas" e o esturjão "bravo", homenagem clara às raízes espanholas do chef Diego Gallegos.
Seguiu-se um original "chouriço de esturjão com creme do seu sangue" molho demiglacé com cominhos doces e cebola. Confesso que não me entusiasmou.
Para terminar os pratos salgados apresentou-se o "Esturjão em orza, creme de batata e alho de caviar". A orza é um método de confeção castelhana da carne de porco. Tradicionalmente o lombo é envolto em banha e guardado em recipientes de barro "as orzas". Gallegos, resgatando esta tradição espanhola, substituiu os produtos cárneos por esturjão conseguindo outro prato digo de estrela.
Sobremesas genialmente estapafúrdias
Mas se nós, comensais esperávamos sobremesas docinhas, mais uma vez a dupla de chefs trocou-nos as voltas apresentando umas combinações estranhíssimas mas com resultados fantásticos em boca. Para mim, a sobremesa de João Oliveira ganhou este capítulo final. Provámos um gelado de fermento, caviar e óleo de esturjão, servido sobre uma cama de amêndoas torradas em sal e açúcar e croutons de brioche de especiarias. Talvez uma das combinações mais estapafúrdias dos últimos tempos mas surpreendentemente assombrosa. Gallegos escolheu encerrar o menu com uma composição de "caviar e maçã verde" com esponja e granizado de basílico e aipo, gelado de queijo de cabra e esfera de wasabi e queijo de cabra sobre pó de acido citrico. Interessante, embora não tenha sido a minha sobremesa favorita. Para agasalhar as sobremesas serviu-se um champanhe rosé com notas de frutos vermelhos, elaborado com dominante pinot de muire e apontamentos de pinot noir. Um champanhe fresco, perfeito para acompanhar as doces notas finais.
A infusão do chef e o café com bombom de caviar, coco e chips de chocolate foram já servidos perto da uma da manhã. Um longo jantar coroado com shot de Vodka Imperial, servido numa réplica dos Ovos Fabergé, pequenas obras de arte francesas oferecidas na Páscoa pelas monarquias europeias e a família dos Czares russos.
A extravagância de 15 pratos estendeu-se por cinco horas de experiência hedonística que a meu ver, ficarão para sempre na história gastronómica do Hotel Bela Vista. E eu senti-me uma sortuda por poder presenciá-la. A única coisa menos agradável destas noites de excessos é a dor de cabeça da manhã seguinte... nada que umas chávenas de café forte não resolvam. Afinal, um dia não são dias... certo?