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O exotismo das Zambras de Granada. Dança cigana nas grutas de Sacromonte.

A voz rouca e sentida do homem de barba escura rompe o arranhar das guitarras espanholas e das palmas ritmadas. A figura enxuta, cintada num fato preto roçado, inicia um sapateado efervescente. Os pés saltam e marcam melodias no “tablao”, o estrado de madeira com a superfície gasta pela força do baile. Muda a dança, muda o ritmo. Agora, duas mulheres de meia idade ataviadas com trajes típicos e maquilhagem pesada ocupam o “tablao”. Bailam, contorcionam-se, fazem movimentos mirabolantes com as mãos, os braços, o ventre, os lábios vermelhos, a roda da saia, as pernas e os pés. Soltam gemidos de força e garra. Destilam lágrimas e suor genuínos. Os guitarristas fecham os olhos e deixam-se levar pelo ritmo, por vezes gritam “bailaaaa chiquitaaaaa!” ou grunhem roncos ritmados e sentidos, lá do fundo do estômago. Parecem vomitar da alma, as tristezas e as paixões. A cadência ritmada e exótica da zambra conduzem-nos a um transe. Aos músicos e a mim. Presa de espanto à pequena cadeira achegada à parede caiada da gruta, o meu pé não para quieto e o meu coração bate, ritmado, ao som do compasso .

São as 11: 30 da noite e estou numa gruta na colina de Sacromonte. Um colina situada às portas da cidade de Granada, lar de antigas famílias ciganas, ladrões e foragidos que cavaram a rocha para criar as grutas e viver à margem do mundo. Hoje, a música é a mesma, mas a estória é outra. A colina de Sacromonte é uma das atrações turísticas mais autênticas da Andaluzia. Nas grutas ou “cuevas” cantam-se e dançam-se os reportórios da mais pura raça andaluza. Ouve-se a zambra, um velho estilo musical dos rituais ciganos de Granada. O ritmo desgarrado da zambra é tão antigo como o tempo. Sensual como uma “granadina”, a mulher de Granada. Misterioso como um cigano. Já no século XV aparecem registos literários e crónicas desta arte “gitana” com influências árabes.

A zambra, ou “zambra mora”, tem origem nos rituais de música e dança das festas de casamento ciganas mas assume influências de dança do ventre e acordes orientais. O reportório inclui géneros distintos como “la alboreá”, “la cachucha” e “la mosca”. Para perceber a relevância cultural desta expressão artística, a zambra para Granada é tão importante como o fado para Lisboa. Há-de-se ouvir, pelo menos, uma vez na vida. O espetáculo é arrepiante.

A melhor forma de viver a zambra é ser convidado por uma família cigana ou participar numa festa privada. Mas existem várias “Cuevas” que oferecem espetáculos a diário para os muitos turistas que visitam Granada. As grutas estão decoradas com xailes e mantilhas, velas, pipas de vinho e cadeirinhas de madeira. São lugares profundos mas apertados. Cabe uma rima de cadeiras encostadas à parede a toda volta. No centro, tocas as guitarras e sapateiam os bailarinos. Estamos tão perto que o vento da roda das saias refresca-nos o transe. O único senão é que provavelmente terá que partilhar este momento tão genuíno com um grupo de japoneses sem sangue na guelra, que ficam imóveis a olhar para o espetáculo sem sentir a emoção e a poesia trágica da arte. Faça como eu, visão seletiva e... não se esqueça de entre música e música, ir clamando piropos às bailarinas: “guapaaaa!” ou “mi reinaaaa”... elas agradecem de coração.

O mundo da zambra é um negócio esforçado. Os músicos e bailarinos atuam pelo menos duas a três vezes por noite. Nota-se-lhes no olhar o desdém pelos grupos de turistas que insistem em tirar fotografias de forma incessante, como se os bailarinos se tratassem de animais de circo sem alma. Apesar de tudo, em certas “cuevas”, mantem-se o caráter familiar e a tradição de geração em geração. O corpo de baile é formado por famílias completas de avós, pais, mães e netos.

Depois do concerto e de volta a Granada peça ao táxi para levá-lo ao “Mirador de San Nicolás”. Fica apenas a dois minutos das “cuevas” e vale a pena a visita noturna para desfrutar das soberbas vistas sobre a baixa da cidade, as colinas da Alhambra e o recorte enigmático da Serra Nevada.

Os preços dos espetáculos de Zambra variam de “cueva” para “cueva”, mas rondam os 20 euros por pessoa, incluindo uma bebida (um copo de vinho, sangria ou coca-cola). Existem “cuevas” com jantar e espetáculo, outras que oferecem apenas espetáculo. As críticas no “TripAdvisor” não são muito animadoras em relação à qualidade da comida, por isso, preferi assistir apenas ao show sem jantar.

Há muitas razões para visitar Granada. A zambra é, com certeza, uma das mais genuínas.

Aqui ficam algumas fotografias tiradas com o Iphone:

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