Safari Agropecuário: na senda da boa carne alentejana.
São as 8 da manhã. O jeep conduz aos solavancos pela infinita estrada de terra batida. Ao fundo da imensa planície dourada, divisa-se a silhueta do casarão de madeira. Ali, moram centenas de cabeças de gado. Ao volante vai Filipa Almeida, a engenheira agrícola responsável pela produção agropecuária da Herdade dos Grous. Já quase não se lhe percebe o sotaque minhoto, depois de tantos anos passados na realidade alentejana. No meu bloco de notas só consigo escrevinhar algumas linhas tortas, devido aos abanões da estrada. Em vão, deixo-me de apontamentos e inspiro o ar da manhã que entra a golpadas pela janela semiaberta. Atrás de nós, forma-se uma nuvem de terra e pó. Luminoso ouro alentejano.
Hoje vou conhecer o roteiro da carne. Venho à procura da origem desse bom lombo de vitela que provei no restaurante Ocean no Vila Vita Parc, cozinhado com mestria segundo a receita do Chef de dois Estrelas Michelin, Hans Neuner. [ler post aqui]
A travessia de luzes e sombras pela planície, interrompe-se por momentos. Ao lado do jeep passa, ladino, um rebanho de ovelhas seguido por borreguinhos desajeitados. “As ovelhas parem normalmente duas vezes por ano, em Dezembro ou Janeiro e depois, em Julho ou Agosto” explica Filipa. Os borregos nascidos no Inverno têm uma carne mais tenra e saborosa, em detrimento dos que nascem a meio do ano. A razão prende-se com a qualidade do leite materno. Durante o Inverno e a Primavera, a ovelha pasta erva fresca, viçosa e água abundante que influencia a qualidade do leite. Já os borreguinhos nascidos no Verão são amamentados com leite mais pobre, porque as ovelhas têm apenas pasto de sequeiro.
Filipa Almeida é formada em engenheira agrónoma pela Escola Agrária de Beja e há mais de oito anos que cuida da produção animal e agrícola da Herdade dos Grous. Chega, todos os dias, às sete da manhã para coordenar a equipa humana e tratar dos animais. Os seus caracóis da cor das searas saltitam com os solavancos da estrada enquanto me explica o processo de agricultura biológica dos produtos que chegam à mesa do restaurante.
Na lateral da estrada surgem hortas e uma estufa de panos translúcidos onde se desenvolve parte da produção hortofrutícola. Segundo Filipa, é ali, que, crescem tomates, pepinos, alface, rúcula, courgettes, beringelas, melão e melancia... "apostamos em culturas de época, sem aplicação de pesticidas. Temos muito orgulho em que tudo seja biológico."
Das diferentes árvores saem os frutos que se consomem frescos, em compotas e marmeladas. "Comemos muitos marmelos assados, é uma das sobremesas mais apreciadas pelo pessoal da Herdade" assinala com um sorriso doce ao passar por um marmeleiro vergado pelo peso da fruta madura.
A produção de legumes, frutas e verduras é consumida nos restaurantes do grupo Vila Vita e também na alimentação diária dos mais de oitenta trabalhadores da Herdade dos Grous. Uma das mais recentes apostas é o cultivo de plantas aromáticas, não só para consumo próprio mas também para a comercialização. As ervas secas em latinhas negras podem ser adquiridas na loja da herdade e na boutique de carne em Porches, no Algarve.
Perto das estufas diviso um aviário de luxo, com espaço coberto, um pátio em terra e um lago onde correm desenfreadamente as galinhas, os galos emproados, os gansos gordos e as melancólicas avestruzes. No céu passam passaritos gordos, com a barriga cheia de uvas. Vêm dos vinhedos, onde nesta altura do ano, lavra a azáfama da vindima.
Pomo-nos de novo a caminho, desbravando terra batida até chegar ao poisado das mais de 350 cabeças de bovino criadas em liberdade nas pastagens da herdade. O feno e o cereal são plantados numa extensão de 400 hectares, existindo vastas áreas de pastagem e de produção de forragem.
Vacas e toros reprodutores da raça alentejana e limusine pastam pensativos na planície. Mascam palha e tempo, devagar e sem pressas. Alguns, curiosos, aproximam-se das cercas. Querem ver se trazemos gulodices, embora as manjedouras estejam cheias de pasto. Tal como os cavalos, os bovinos também recebem nome segundo a letra do ano "assim de repente, lembro-me que já cá temos uma Lolita e uma Luana", revela Filipa.
Curiosa, pergunto-lhe se existe uma diferença notória entre a carne de bovino “macho” e “fêmea”. “A carne dos machos é a mais desejada pelo mercado. As carcaças dão mais rendimento, mais músculo, menos osso, e portanto mais quilos úteis de carne." São as favoritas dos grandes produtores e distribuidores. Porém, é na carne dos bovinos fêmea que encontramos a textura marmorizada e suculenta, graças "à gordura intramuscular que é acumulada em maior quantidade", explica.
Na Herdade dos Grous criam-se e engordam-se os bovinos, até chegarem à idade adulta. Depois são enviados para o matadouro de Beja, onde a qualidade da carne é controlada e certificada.
Para que a carne tenha a certificação de qualidade de "Carne Alentejana" é preciso cumprir com uma série de requisitos, um deles é que os novilhos sejam enviados para o abate com idade entre os 16 e os 18 meses. Um membro da organização da "Carne Alentejana" acompanha o percurso do novilho desde a nascença até à idade idónea para abatimento. Regularmente são efetuados controles veterinários de saúde e peso, para assegurar que os bovinos cumprem com todas as exigências necessárias para serem certificados.
As carcaças são enviadas para a sala de desmanche do talho-fábrica de carnes do Vila Vita em Porches. Aí, a carne é desmanchada, cortada, separada e transformada em vários produtos cárnicos, desde salsichas, a peças de diferentes cortes para serem consumidos nos restaurantes do Vila Vita ou para venda ao cliente no talho do "Meztgerei". Algumas peças são guardadas em câmaras especiais, com temperatura e humidade controladas, para passarem ao processo de maturação. Necessitam repousar entre 28 a 30 dias para oferecer uma textura tenra e um sabor mais apurado.
Uma vez que a tendência gourmet atual é a escolha de carnes maturadas, pergunto a Filipa o óbvio: porque é que em Portugal não se produzem maior quantidade de carne com períodos de maturação longos? A engenheira explica-me que "segundo a legislação ainda não é possível trabalhar com períodos extensos de amadurecimento da carne. As carnes que se consomem com maior idade de maturação são, quase sempre, importadas de outros países".
Ou seja, em casa, se puder, fuja da carne dos grandes hipermercados e procure um fornecedor ou talho de confiança que lhe assegure carne criada livremente, com água fresca e pasto de qualidade, e a ser possível, vitela fêmea para uma carne mais tenra e suculenta.
Desenvolvimento sustentável
O abastecimento de água da Herdade é feito através de vários furos e armazenamento de águas das chuvas nos grandes lagos que ocupam cerca de 90 hectares. Num futuro próximo, a lagoa principal estará ligada à barragem do Alqueva, aumentando assim a possibilidade de regas e de manter uma maior extensão verde, mesmo durante os períodos de sequeiro.
Nas grandes planícies da Herdade dos Grous planta-se milho e cevada para o consumo dos animais. Os principais consumidores do feno e da palha são as duas dezenas de cavalos e a produção agropecuária de bovinos de raça alentejana e limusine, as ovelhas, os borregos, as cabras e porcos pretos.
No olival produzem-se azeitonas de variedade Galega, Cobrançosa e Cordovil. Algumas das oliveiras foram recuperadas da antiga região do Alqueva. Com as azeitonas elabora-se o azeite virgem extra, com prensagem a frio.
Embora a Herdade dos Grous seja conhecida pela sua produção vitivinícola, apenas 10% da sua extensão está dedicada aos vinhedos. Grande parte da extensão de planície fértil está destinada à plantação de cereais e forragem e às pastagens para a criação livre de bovinos e ovinos.
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Para mais informação e Reservas:
Herdade dos Grous
Página Web: http://www.herdade-dos-grous.com
E-mail: info@herdade-dos-grous.com
Tel: + 351 284 960 000
São as oito da manhã, mas a patine dourada alentejana já transborda nas searas.
"Lolita" pousa comigo para a fotografia.
Filipa Almeida em pleno "safari agropecuário".
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Olá, não sou o porquinho "Babe" mas quero ficar na fotografia!!!
Galinha desconfiada vale por duas...