Luís Duarte. Um caçador de almas e terroirs. Vinhos da Herdade dos Grous.
Primeiro, as apresentações. Luís Duarte é um dos principais enólogos portugueses, responsável, desde 2004, pela produção vitivinícola da Herdade dos Grous e é consultor para outras marcas bem conhecidas de vinhos portugueses. Encontrei-me com ele, por primeira vez, no melhor lugar possível. À mesa. Fui conhecê-lo ao restaurante da Herdade dos Grous nos primeiros dias da vindima. Depois de uma intensa prova da coleção vínica: os bons brancos, os complexos tintos e o sublime vinho de sobremesa, o enólogo conduziu-me por uma visita guiada à adega, para testemunhar os vibrantes dias das vindimas. Já pode imaginar que acabei a tarde muito feliz e um pouco “tocada”. Nada que uma sesta não cure!
Luís Duarte. Um caçador de almas e terroirs.
O perfil
Estamos perante um homem de bom porte e sorriso fácil. O cabelo prateado empresta-lhe um charme de estrela de cinema. Ao falar, descobre-se a pronúncia do norte. A pele bronzeada mostra uma vida passada debaixo do abrasador sol alentejano.
Os grandes nomes do vinho como Herdade do Esporão e Herdade dos Grous, conhecem o seu toque de Midas. Ambos os projetos foram acarinhados logo à nascença pela energia de Luís Duarte, um dos primeiros enólogos formados em Portugal. Logo em 1987, acabado o Curso Universitário de Enologia em Vila Real de Trás os Montes começou a sua carreira na Herdade do Esporão. Aí esteve, até 2004, altura em que iniciou o projeto vitivinícola na Herdade dos Grous.
Luís Duarte é, hoje, um dos nomes incontornáveis, quando se fala de vinho no nosso país. Foi eleito pela Revista de Vinhos como “Enólogo do Ano” em 1997 e em 2007. Já em 2010 foi nomeado para a categoria “Best Winemaker in the World” pela revista alemã Der Feinschmecker.
Luís Duarte queria ser engenheiro agrónomo. Mas quis o destino que antes de entrar para a universidade, fosse trabalhar um verão para as vindimas. Aos poucos dias, o bichinho da uva já estava contagiá-lo. Não, não lhe deu um ataque de filoxera, nem de botrytis, foi mesmo um caso sério de paixão pelo mundo do vinho, que o inebriou para sempre. Ia ser enólogo. E estavam os dados lançados...
Foi o melhor aluno do primeiro Curso Universitário de Enologia ministrado em Portugal pela Universidade de Trás-os-Montes, a partir do modelo de Montpellier. Terminado o curso recebeu o convite para iniciar o projeto da Herdade do Esporão e mudou-se para Estremoz. Desde então, o seu lar tem sido as planícies douradas alentejanas.
Em 2004, embarcou como diretor da produção vitivinícola da Herdade dos Grous. Desde a escolha das castas até à produção do primeiro vinho, em 2005, passaram várias aventuras e desventuras. Hoje, os prémios e medalhas acumulam-se nas paredes da cave e 40% da produção é exportada a mercados tão diversos como Angola, Dinamarca, Suíça ou Alemanha.
A loja onde se pode adquirir a bom preço os exemplares da coleção vínica da Herdade dos Grous.
Um caçador de almas e de terroirs
Luís Duarte dirige há mais de uma década a produção vitivinícola da Herdade dos Grous. É o homem por detrás da alma destes vinhos de marcada personalidade alentejana. Um enólogo é um caçador de almas. Procura o equilíbrio entre as diferentes castas de uvas, os açúcares e os taninos, controla todo o processo de vinificação, de fermentação e estágio em barrica, para conseguir captar, numa pequena garrafa, a alma, os aromas e os perfumes de uma região.
A história vínica da Herdade dos Grous é relativamente recente. Em 2002, plantaram-se as primeiras vinhas em 16 hectares. A adega foi construída em 2005 com tecnologias de vinificação modernas. Progressivamente, até ao ano de 2007, foi aumentada a extensão plantada e a variedade de castas. Hoje, encontramos 73 hectares destinados às castas brancas como a Antão-Vaz, a Arinto, a Roupeiro, a Alvarinho ou a Viognier e a castas tintas como a Alicante Bouschet, a Touriga Nacional, a Tinta Miúda ou a Aragonês (também conhecida por Tempranillo ou Tinta Roriz).
Da composição das diferentes castas brancas apimentadas pela experiência de Luís Duarte, saem os brancos “Herdade dos Grous Colheita” e o “Herdade dos Grous Reserva”. Das castas tintas surgem o “Herdade dos Grous 23 Barricas”, o “Herdade dos Grous Colheita”, o “Herdade dos Grous Reserva” e o “Herdade dos Grous Moon Harvested”. Como vinho de sobremesa encontramos o excepcional “Herdade dos Grous Late Harvest”.
Sentada, à mesa, espera-me a prova dos vinhos. Jaime Salsa, o escansão da Herdade dos Grous vai abrindo, uma a uma, as garrafas da coleção vínica. Primeiro os brancos, depois os tintos, das colheitas às reservas. O Chef Rui Prado preparou um menu especial para potenciar os sabores da prova. Para os brancos surgem as tapas alentejanas e para os tintos espera-nos uma boa peça de novilho grelhada.
Joias líquidas: Os Vinhos da Herdade dos Grous
Brancos:
O “Herdade dos Grous Colheita” é composto pelas castas Antão-Vaz, Arinto e Roupeiro e apresenta, em copo, uma cor verde dourada. Tem um sabor rico em fruta, fino e elegante e com bom equilíbrio de acidez.
Já o “Herdade dos Grous Reserva” é elaborado a partir dos lotes de Antão-Vaz, Verdelho e Viognier e apresenta uma cor mais dourada, que faz lembrar a planície alentejana. O estágio em barrica de carvalho francês aporta-lhe o aroma a baunilha e a pêssego confitado. Oferece um sabor rico em frutas, elegante e mineral.
Tintos:
Entramos na avenida dos tintos com uma primeira paragem pelo “Herdade dos Grous 23 Barricas”. Como o nome indica, é elaborado com as melhores vinte e três barricas de diferentes lotes de Syrah e Touriga Nacional. O perfume a especiarias provém do estágio em carvalho francês. Na boca apresenta um sabor rico a frutas, fino, mineral e com bom volume de boca.
A segunda paragem é no “Herdade dos Grous Colheita”. Um vinho de cor granada profunda elaborado a partir do rendilhado de quatro castas, a Alicante-Bouschet, a Syrah, a Aragonês e a Touriga Nacional. Ao adentrarmos o nariz no copo somos surpreendidos por um bouquet de fruta amadurecida ao sol que contrasta com a frescura da menta. Na boca oferece um final prolongado e um sabor rico em fruta.
Passamos depois ao “Herdade dos Grous Reserva”. De cor bastante similar ao anterior, mas com um aroma mais claro a madeira, a tosta e a baunilha. É produzido a partir de Alicante-Bouschet, Touriga Nacional e Tinta Miúda. Apresenta um perfume a fruta madura e madeira. O sabor é muito concentrado, a fruta e com um final prolongado.
Finalmente provamos um “Moon Harvested”. Um elixir de cor profunda e acastanhada elaborado com monocasta de Alicante-Bouschet. Oferece um concerto de aromas a fruta madura e notas de madeira. Na boca oferece sensações ricas, redondas com os taninos maduros a deixar um final prolongado como uma noite bem dormida em lençóis de seda.
O nome “Moon Harvested” refere-se à personalidade única deste vinho, que provém de uvas vindimadas no momento máximo de influência da lua. Esta técnica de poda biodinâmica, toma em consideração o magnetismo exercido na seiva das videiras, que atrai os nutrientes das raízes às extremidades, ficando concentrados nos cachos das uvas. O resultado é um vinho riquíssimo, pleno de sabor a fruta madura.
Toda a poesia do Outono numa garrafa.
O vinho de sobremesa “Herdade dos Grous Late Harvest”.
Para sobremesa, esperava-me um dos meus vinhos de colheita tardia favoritos: o “Herdade dos Grous Late Harvest”. É feito com a uva de casta francesa de uva Petit-Manseng e ostenta um aroma complexo, com notas de goiaba, marmelada, figos de mel e passas. A cor é de um dourado intenso, que lembra o mel. Apresenta, no entanto, um bom nível de frescura e um final persistente.
Trata-se de um vinho doce, de acidez elevada que se consegue com a sobre-maturação da uva. A uva não é vindimada na mesma altura que as outras. Permanece na videira até muito mais tarde, quase até finais de Novembro. A longa espera pelo amadurecimento extremo da uva é recompensada. Obtêm-se uvas com uma alta concentração de açúcar, que guardam as memórias douradas dos Outonos alentejanos. O mosto obtido é de cor amarelo-palha, um concentrado de ocasos, doce como o mel que antecipa um sublime vinho de sobremesa.
A doçura e o teor alcoólico conseguem-se com a interrupção da fermentação natural, mantendo parte do açúcar. Luís Duarte explica-me que este é um processo de fermentação parcial, bem diferente do Vinho do Porto ou de outros vinhos fortificados, onde se adiciona aguardente para interromper a fermentação. Neste caso, a paragem da fermentação é conseguida com a redução da temperatura e a adição de fermento sulfuroso. Se não se interrompesse a fermentação a meio, as uvas plenas de açúcar outorgariam um alto teor alcoólico ao vinho. Neste caso, com a interrupção, o “Late Harvest” apresenta um teor alcoólico normal (cerca de 13º) e a parte do açúcar não fermentada preserva a beleza dos outonos, com sabor a mel e goiaba.
As vindimas e o doce perfume do mosto.
Desde manhã cedo até à noite escura trabalham os homens e as máquinas. Atraída pelo lufa-lufa fui espreitar, mais que uma vez, a chegada das uvas. A adega está por baixo do edifício principal da Herdade dos Grous. Basta descer do meu quarto, situado no andar de cima da casa portuguesa e seguir o perfume do mosto.
Por dia chegam a vinificar cerca de 24 mil quilos de uvas. O processo da vinificação envolve a vindima dos cachos, a separação das uvas dos pedúnculos e a prensagem da fruta para conseguir o desejado sumo. O ritmo alucinante das vindimas arrasta-se por cerca de 20 a 30 dias sem descanso. Ao perfume adocicado do mosto junta-se a adrenalina, a vontade de prensar mais e melhor e de ir provando, os diferentes compostos, a regulação das leveduras e das temperaturas. É como uma febre que ataca a toda a equipa e quem se aproxima dela.
Naturalmente que a vindima numa produtora vitivinícola profissional, guarda pouco dos encantos de outrora. Não se ouvem as canções populares, nem o grupo se abraça e dança com as calças arregaçadas para pisar a uva. Hoje, as máquinas substituíram os processos folclóricos e tornaram o ato da vinificação em algo mais estéril, controlado, como se estivéssemos num laboratório. Mas a febre humana continua presente. Luís Duarte leva-me pela mão ao centro nevrálgico da vindima e mostra-me todos os passos da vinificação, desde a chegada da uva, a prensagem e o armazenamento do mosto em cubas gigantes de aço inoxidável. Uma carga de oito mil uvas está a ser processada. Os cachos caiem, lentamente, de um trator a uma passadeira rolante. Uns seis pares de mãos treinadas retiram as folhas e as hastes e encaminham os cachos para a máquina de separação e esmagamento.
Luís Duarte leva a mão treinada às uvas descachadas para mostrar-me a eficácia da máquina, por um lado saem os bagos, por outro os troncos nus dos cachos. Cheira, prova, afina.
Com um copo interrompe, por momentos, a produção do sumo. Retira um pouco de líquido verde vivo e prova. Um momento de silêncio rompe o barulho ensurdecedor das máquinas. Fecha os olhos e concentra-se. Pura fruta. Pura frescura. Puro açúcar. Depois, o enólogo acena com a cabeça em sinal de aprovação. O trabalho reata-se. Esse perfume que anda a rondar no ar há vários dias, vem de ali, dessa essência viva de sumo de uva.
O sumo de uva, ou mosto, é encaminhado para uns filtros. Um nevoeiro misterioso que emana da neve carbónica ajuda a manter a filtragem livre de impurezas. Se me perguntarem, para além do aspeto prático, vejo-lhe outro sentido mais poético. Será talvez aqui, neste momento, entre brancas brumas “sebastianas” que se começa a materializar a alma do vinho.
Uma vez arrefecido e filtrado, o mosto é bombeado para dentro das cubas de aço inoxidável. Ali ficará, com a adição de leveduras vivas, em fermentação até que os açúcares se transformem em álcool.
Caminhamos, agora, pelo sepulcral silêncio das barricas. O vinho é guardado em barricas de carvalho francês por temporadas de 6 a 24 meses. É na barrica que o elixir de Bacchus adquire notas de tosta, baunilha e coco. O estágio em barrica tem por objetivo a micro-oxigenação do vinho, já que a madeira é um material poroso que permite uma oxidação controlada. É por isso que nesta fase, a matéria corante se metamorfoseia de vermelho granada ao rubi intenso, quase acastanhado. Para potenciar os compostos aromáticos usam-se barricas com alguma idade, pelo menos, dois anos. Hoje, várias produtoras usam barricas mais antigas, usando um sistema de raspagem de laser interior para a sua renovação.
É entre brancas brumas “sebastianas” que se começa a materializar a alma do vinho.
Neve carbónica para a proteção contra as oxidações, bem como um arrefecimento rápido dos mostos.
Vitis vinífera e Vitis labrusca.
A videira europeia a cavalo da videira americana.
O trabalho do enólogo não consiste apenas em controlar o processo de vinificação, fermentação e estágio. Começa muito, muito antes. Por exemplo, na escolha das castas e das videiras. Na Herdade dos Grous usa-se um híbrido entre videiras americanas e europeias, como forma de combate à filoxera, a doença que ataca unicamente as videiras europeias. A robusta videira americana (vitis labrusca) está em contato com o solo é conhecida por “porta-enxerto” ou comummente, “cavalo”. Os enxertos são feitos com videira europeia (vitis vinífera) para a produção das melhores castas e são encomendados a viveiristas certificados em França e Itália, com mais de um ano de antecedência. Os “porta enxertos” escolhidos por Luís Duarte chegam prontos à herdade, mas é depois preciso aclimatizá-los, plantá-los e cuidá-los.
Termino a visita com um passeio pelas vinhas. O pôr-do-sol começa a reificar o tempo num pó dourado que adorna as uvas. Caminho até perder-me no infinito, entre vinhas e a planície. Caminho até encontrar-me. Ai, o Alentejo.
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Herdade dos Grous
Página Web: http://www.herdade-dos-grous.com
E-mail: info@herdade-dos-grous.com
Tel: + 351 284 960 000
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