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Uma coleção de vinhos guardada nos pilares da terra

Experiências de um Algarve secreto: descer às profundidades da falésia, para encontrar um tesouro de 11 mil garrafas de vinho. Descobrir as mil e uma histórias que emanam dos rótulos guardados na Cave de Vinhos do Vila Vita Parc. Uma das maiores coleções privadas, que alberga raridades como um Vinho da Madeira, Verdelho de 1850, ou um Château Mouton Rothschild de quase 7 mil euros. Venha comigo, vivenciar os detalhes desta experiência vínica...

O profundo buraco na terra existe há muito. Durante os últimos duzentos anos serviu para guardar utensílios das regas e colheitas. Mas em 1998 nasceu neste buraco, a partir dos planos do engenheiro austríaco Friedrich Gruber, uma cave de vinhos.

Hoje, para descer às entranhas da terra existe uma escadaria elaborada com tijolos egípcios centenários, acostumados aos calores do deserto. Conservam a humidade e sustêm o Tempo. Desço por primeira vez numa tarde de estio, fugindo da canícula algarvia. A princípio, os meus olhos estão ainda cegos do sol de Verão, ajudo-me procurando com a mão, instintivamente, o contato com a parede. Quente, tépida, fria e sempre rugosa. A cada degrau estou mais perto do remanso da escuridão, enquanto o termómetro vai descendo para temperaturas mais agradáveis.

Antes que os meus olhos possam ver algo, já intuo com o nariz a presença dos vinhos. Chega-me um perfume ligeiramente agro, com toque a madeiras e a tempo cristalizado. Quarenta degraus depois e dez graus a menos encontro a Paulo Duarte, Sommelier no Vila Vita Parc e guardião desta cova de Ali-Baba de tesouros vínicos. No colete cor de vinho traz a insígnia do Escanção, um orgulhoso racimo de uvas dourado.

Estamos a nove metros baixo terra. Numa sala de estilo neo-medieval em tons de terracota. Os tijolos egípcios misturam-se aqui com tijoleiras gregas, austríacas e portuguesas, para manter uma temperatura constante de 16 graus e uma humidade entre os 65% e os 75% de humidade, para conservar as rolhas em boas condições. Ao centro, debaixo de um pesado castiçal em ferro, alinha-se uma mesa comprida e uma ténue iluminação pontuada por trémulas luzes de velas. Paulo Duarte está atarefado com a preparação da mesa: “Hoje vamos ter um jantar vínico, três pratos e sobremesa harmonizados com vinhos brancos e tintos”, diz-me, enquanto situa um menu em papel grosso sobre as porcelanas alinhadas. Deixo a vista perder-se pelas prateleiras que nos rodeiam. Uma coleção de mais de 11.000 garrafas e 1.200 referências dos melhores vinhos nacionais e internacionais alinhadas em prateleiras de terracota.

Terminada a mesa, Duarte guia-me pelas diferentes alas, ilustrando cada prateleira e cada garrafa com as histórias por detrás dos rótulos. A cave está dividida em quatro zonas, a sala central onde preside a mesa para 12 comensais usada para provas e jantares vínicos, a ala dos vinhos portugueses, a ala dos vinhos internacionais e o espaço dos vinhos fortificados.

Aqui tudo tem uma razão de ser. As garrafas mais antigas encontram-se no topo, pois é o lugar onde existe menos luz. As regiões demarcadas dos vinhos portugueses estão organizadas por geografia, testemunhando o bom fazer do vinho de Norte a Sul de Portugal. Na ala dos vinhos internacionais, convivem sem querelas, vinhos alemães, franceses, italianos, chilenos, argentinos, espanhóis, australianos e até libaneses.

É impossível listar todas as referências de vinhos que se encontram por aqui guardadas. A carta oficial conta com cerca de quarenta páginas de vinhos catalogados, mas entre canto e recanto, existem outros tesouros que não estão à venda e que tornam esta coleção uma das mais completas de Portugal.

Duarte passa por certas garrafas com um vénia especial. De vez em quando, tira uma da prateleira, acaricia-a com os dedos e conta-me a história do produtor, do rótulo, as mitologias do vinho. Mil e uma histórias. Por exemplo esta, a do Incógnito. Enquanto me passa a garrafa para a mão, relata: “Há vinte anos não era permitido usar a casta Sirah no Alentejo, por causa das limitações da denominação de origem. Por isso o produtor batizou este vinho de “Incógnito”, para que ninguém soubesse que tipo de casta usava”.

Das prateleiras do Douro, uma das regiões vínicas mais velhas do mundo, encontro um Quinta do Crasto, reserva de 1992 e um Barca Velha, da Casa Ferreirinha de 2000. O meu coração começa a bater alvoraçado ao encontrar preciosidades como um Quinta do Vallado, reserva, 2000, um Pintas da Wine & Soul de 2008 ou um Quinta de Vale Meão, Francisco Olazabal de 2011. Subo a um banquinho para pesquisar o que se guarda nas prateleiras de cima: um Quinta da Manoella, Vinhas Velhas de 2009; um Quinta do Côtto Grande Escolha, 2000; um Charme Dirk Niepoort, 2009; um Secret Spot King, 2007 ou ainda o aclamado Chryseia Symington, 2008. Segundo os historiadores, o Douro é, provavelmente, a região vinhateira demarcada (1752) e regulada mais antiga do mundo (1755). Desde 2001, que o Alto-Douro foi declarado Património da Humanidade pela Unesco, atestando a importância da região não apenas para Portugal, mas para o Mundo.

As velas iluminam novas paragens geográficas. Viajo até à região do Dão e encontro os excelentes Quinta de Lemos Touriga Nacional, 2007, o Quinta da Pellada de Álvaro de Castro, 2008; o Quinta dos Carvalhais Touriga Nacional, 2004 ou ainda o Único de 2009. Das Beiras, um Campolargo Pinot Noir, 2009.

Sinto-me tão entusiasmada que até me apetece cantar. Improviso uma letra, adaptada da cancioneiro popular: “Pelas prateleiras de Portugal, vejo tantas garrafas lindas, vejo um mundo sem igual.” Reparo nas da Bairrada, um Quinta dos Abides Sublime, 2009; um Luís Pato Vinhas Velhas, de 1992, ou um Luís Pato Quinta do Ribeirinho Bago Pé Franco de 2000. Da região de Lisboa destacam-se os Quinta do Monte d’Oiro José Bento dos Santos de 2000; o Homenagem a António Carqueijeiro de 1999 ou um Quinta de Pancas Special Selection, de 1997.

Tejo abaixo, pela região de Setúbal, encontro um Quinta da Bacalhôa Cabernet Sauvignon & Merlot de 2009, um alvoraçado Cavalo Maluco José Mota Capitão de 2008 ou um Hexagon José Maria da Fonseca, de 2000.

Chegando ao recanto do Alentejo, emergem das prateleiras um Júlio Bastos Alicante Bouschet de 2007; um Mouchão Tonel 3-4, de 1996; um Zambujeiro da Quinta Zambujeiro de 2006; ou um Pêra Manca Fundação Eugénio de Almeida de 2007. Por quase trezentos euros, pode degustar um extraordinário Herdade do Esporão Reserva de 2005. Da coleção da Herdade do Esporão chega também uma das histórias mais fantásticas. Paulo Duarte mostra-me duas garrafas do mesmo vinho, mas com rótulos diferentes. Um príncipe moçárabe. Um casal de reis medievais. Olho para as garrafas sem adivinhar que tipo de lenda se esconde detrás das ilustrações de P.Proença. Duarte explica-me: “Este vinho é muito consumido no mercado americano. É de 1999 mas foi só engarrafado nos princípios de 2001. Quando chegou aos Estados Unidos, tinha-se dado o atentado do 11 de Setembro. O rótulo com o príncipe mouro foi recusado pelo mercado americano, e foi necessário retirar todas as garrafas do mercado e voltar rotulá-las. Aqui temos guardamos as duas versões, a primeira, com o príncipe mouro, a segunda com os reis medievais. É uma história muito especial para colecionadores.”

Prossigo pelas searas alentejanas, para encontrar a prateleira especial dos vinhos da Herdade dos Grous, também da propriedade do Vila Vita Parc. É possível degustar toda a sua gama vínica incluindo os aclamados 23 Barricas de 2007; o Herdade dos Grous Reserva de 2009, ou o extraordinário Dona Ali de 2008.

Mais à frente, captam o meu olhar, os diferentes volumes das garrafas de vinho, alinhados como matrioskas. “São as magnuns de 1.5 litros, as Doblemagnum de 3 litros, as Jerobam de 4,5 litros e as Imperial de 6 litros”, explica o Sommelier Paulo Duarte enquanto pousa para a fotografia com um imperial da Herdade dos Grous.

E por estarmos no Algarve, existe uma coleção interessante de vinhos desta região ainda por conhecer. Aqui ficam três excelentes sugestões: o Vida Nova, produzido por Sir Cliff Richards, o Quinta do Francês ou e o Remexido da Quinta Barranco Longo.

A guarita dos Portos e dos Vinhos Fortificados está envolta num manto de cetim escuro. Por detrás das portas de ferro forjado, alinham-se como num presépio, as joias do Vinho do Porto, os Vinhos da Madeira e alguns Moscatéis de eleição polvilhados com a bruma do tempo. Das sombras sobressai, com luz própria, um vinho da Madeira, Verdelho de 1850. Uma preciosidade de valor incalculável. Para manter em boas condições este património líquido, a cada vintena é preciso enviar a garrafa ao produtor para conferir se a rolha e o vinho continuam bem conservados. Paulo Duarte mostra-me um Porto Ferreira de 1987 e outro 1994, anos extraordinários.

Os clientes internacionais que visitam a cave ficam impressionados com a diversidade de Vinhos do Porto desde o Tawny ao Late Bottled Vintage (LBV). Em silêncio sepulcral, aguardam 110 variedades de Porto. Destaca-se uma joia de 1963, talvez o melhor ano de Porto do último século, da Wiese & Krohn Vintage e um Down’s Vintage de 2007, que recebeu a classificação de 100 pontos na Wine Spectator. Para o deleite quer do principiante, quer do enólogo, a abertura dos Porto Vintage faz-se com um cerimonial próprio, o ritual com tenaz e corte a fogo. Este método ancestral assegura um corte limpo mantendo o vinho intacto, e oferece uma experiência cénica única, quase mística. Da diversa coleção de Porto Vintage, destaco os produtores como a Champalimaud, Real Companhia Velha, Quinta do Vesúvio, Quinta Roriz, Croft, Quinta das Carvalhas, Terras do Grifo, Fonseca Guimarães, entre tantas outras... Porém, os vinho mais antigos desta coleção não são os Portos, mas sim os Vinhos da Madeira. Ao Verdelho de 1850, junta-se um Madeira Malvasia de 1865, e um Madeira Boal Solera de 1871. Pérolas de Bachus.

Na ala internacional escuto a todos os idiomas. Da África do Sul chega o sussurro das notas doces de moscatel, do famoso vinho de sobremesa Klein Constantia, Vin de Constante.

Da prateleira de Espanha escutam-se as castanholas e o salero. Encontro um Rioja, Marqués de Vargas Reserva Privat de 1998, o conhecido Veja Sicilia Valbuena 50, 2001, da Ribera del Duero, da zona de Priorat, destaca-se o (caríssimo, mais de 1.000 euros a garrafa) L ́Ermita Alvaro Palacios, de 2006. Da zona de Penedés, perto de Barcelona, encontro aos vinhos de Torres, destacando-se o Mas La Plana, de 2003.

De França chega (sempre) o mais chique e (também) o mais caro. Pode por exemplo provar um Château Clément-Pichon de1996 (1.500 euros a garrafa) da zona de Médoc, Bordeaux. De St. Estephe, chega um Château Cos D`Estournel 2eme Cru Classée, de 1996 (mais de 2.000 euros ) ou ainda um Château Calon-Ségur 3eme Cru Classée. Da zona de Margaux, um Château Margaux 1er Cru Classée, 2003 ou um Château Lafite Rothschild 1er Cru Classée, 2001 (560 euros) ou os mais exclusivos, o Château Lynch-Bages 5eme Cru Classée, de 1996 (com preços a rondar os 5.000 euros) e o Château Mouton Rothschild 1er Cru Classée, 1996 (7.000 euros).

O prazer epicurista da degustação de um bom vinho, guarda-se aqui, nos pilares da terra. Esta impressionante cave é apenas uma pequena parte da coleção de vinhos do Vila Vita Parc, que atualmente soma as 23.000 garrafas. E felizmente, os prazeres de Bachus não estão reservados apenas aos clientes do Vila Vita Parc, pois os clientes externos podem reservar uma prova de vinhos com visita guiada ou um seleto jantar vínico. As ofertas gastronómicas deste espaço incluem: provas de vinho e queijos até 20 pessoas, tapas e vinhos nacionais até 12 pessoas, jantares temáticos com menu de três pratos, sobremesa e bebidas a partir de 82 euros por pessoa (reserva obrigatória).

É tempo de voltar. De emergir ao cimo da terra. Deixo ao Escanção Paulo Duarte, concentrado como um monge copista, num grande livro de páginas amareladas elaborando o controle de entradas e saídas dos seus vinhos. Antes de subir as escadas, inspiro longamente. Quero levar comigo todas as memórias, os perfumes dos vinhos, das rolhas, e até do pó que teima em assentar na superfície vidrada das garrafas. Tinha razão Aristóteles, quando dizia que é no fundo de um buraco, que por vezes, se encontram as estrelas.

Mais Informação:

Vila Vita Parc

Tel. (+351) 282 310 100

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