Feitoria: quando a árvore é a sobremesa.
Hoje trago o último post dedicado à obra gastronómica do Chef João Rodrigues e a sua equipa maravilha, do restaurante Feitoria, no Hotel Altis Belém & Spa. Já por aqui falei dos snacks e dos amuse-bouche e das criações de peixes e mariscos. Falta-me descrever a experiência do prato de carne e das lânguidas sobremesas. Mas já lá iremos. Primeiro dedicarei umas palavras ao espaço, que contém um charme próprio que merece ser narrado. Interrompe-me André Figuinha, o mestre escanção, com o vinho tinto da noite. Um Pape, 2011, da região do Dão, produzido pelo enólogo Álvaro de Castro, elaborado a partir de uvas da Quinda da Pellada e de Touriga Nacional da Vinha do Outeiro. No copo cintila um líquido rubi escuro com aromas profundos a violeta, a doce de amoras e a especiarias, de sabor complexo com uma ligeira acidez. Que grande vinho! Não é de espantar que apareça tantas vezes no top dos melhores cinquenta vinhos portugueses.
De nariz enfiado no copo passeio-me pelo restaurante. Um espaço diáfano, de linhas modernas, com grandes vidraças abertas a um curioso jardim de montículos de erva verde e a sublime vista ao Tejo. Uma tríade de cores composta por negro, dourado e branco, conferem a este espaço notas de elegância intemporal. Volto ao painel da entrada, para apreciá-lo com calma enquanto não chega o prato de carne. Ao entrar deparei-me logo com esta bela reprodução de um painel de arte Nambam que retrata a chegada dos portugueses ao Japão. A herança dos Descobrimentos Portugueses está bem patente em detalhes decorativos em todo o hotel, ou não fosse essa uma referência incontornável, devido à localização do hotel Altis mesmo ao lado da emblemática Torre de Belém. Escrutino discretamente os comensais. Ouço falar francês, inglês e português. Casais, pequenos grupos. Vêm vestidos com gosto e requinte. Deteto alguns sinais exteriores de classe alta, os relógios Pateck Philippe ou Cartier. Nelas uns Louboutin, imediatamente reconhecíveis pela sola vermelha e o design do sensual salto. Carteiras da Yves Saint Laurent e Chanel. Expiram elegância e sorrisos elegantes. Um ambiente cosmopolita, Lisboa virada para o mundo.
Volto à minha mesa. Não é uma mesa qualquer, deixo para trás o espaço do restaurante onde se alinham as mesas decoradas com imaculados linhos e o monograma dourado do Feitoria, contorno a garrafeira, espaço moderno em vidro onde se alinham centenas de garrafas e encontro uma área semiescondida, a mítica mesa do chef. Sento-me para desfrutar do resto do desfile de sabores.
O prato de carne. Carré corado de vitela Mirandesa, crosta de tutano e ervilhas biológicas da Quinta do Poial com toque de menta. Enquanto fazia as fotos com o Iphone, os aromas da carne e da menta começaram logo a ludibriar os meus sentidos. Na primeira garfada fui arrebatada pelos sucos apurados da carne tenra, e pelo crocante verde das ervilhas. Pura poesia.
Depois foi o momento da doçura. O momento da sobremesa. Provei duas criações doces, qual delas a mais deliciosa. Mas a minha memória gastronómica ficou fã do “Toucinho do céu”. Com uma delicadeza difícil de encontrar, o Chef Rodrigues pegou na receita ancestral portuguesa e renovou-a com as técnicas contemporâneas, acrescentando-lhe pequenos apontamentos cítricos. O resultado é uma sobremesa a dois tempos: no primeiro momento prova-se um pequeno toucinho do céu, canela, amores-perfeitos, gelatinas cítricas, finos troços de toranja e laranja, e no segundo momento aguarda-nos uma experiência única, um pequeno bonsai com mini-laranjas. Devemos colocar a pequena esfera na boca de uma só vez. A falsa laranja em chocolate branco desfaz-se e liberta uma onda de frescor cítrico. Uma surpresa para todos os sentidos. Um passeio por um jardim noturno de laranjeiras em flor.
Toucinho do céu, à Chef João Rodrigues.
Depois desta sobremesa magistral é difícil fazer melhor. Seguiu-se um monocromático de framboesas, normalmente servido com leitelho de ovelha, que eu dispensei, devido à lactose. Grandiosa combinação de crocante de framboesas, framboesas frescas, sorbet de beterraba e sopa de hibiscus e framboesas. Uma composição muito agradável e refrescante, que surpreendeu pela combinação entre o líquido de hibiscus de doçura neutra que equilibrava o doce do sorbet de beterraba. Este mosaico vermelho foi maridado com um Moscatel Roxo, coleção privada de Domingos Soares Franco, produzido por José Maria da Fonseca. Um extraordinário vinho de sobremesa, de cor âmbar a brilhar no copo, que oferecer um passeio por um jardim de aromas a casca de laranja, alperces, flôr de laranjeira, fruta cristalizada, uvas passas. Um final em êxtase.
O Chef João Rodrigues, o Sous-Chef André Cruz e o Sommelier André Figuinhas, e toda a sua equipa de sala e de cozinha estão de parabéns. Neste menu de degustação provei maravilhosas e excêntricas criações marinhas, uma delicada vitela Mirandesa e terminei em grande, com as sobremesas-experiência. As grandes impressões a nível de apresentação de pratos, destaco com certeza o “Coral” e a “Rocha de Mar”, esta última, um autêntico tributo à fauna e flora costeira. E a nível de sobremesas, claro, o Toucinho do céu e a sua Laranjeira miniatura.
Se este é o hotel e o restaurante dos Descobrimentos, o Chef Rodrigues é o Infante da nova cozinha portuguesa. Uma estrela é pouco.
O "Infante", Chef João Rodrigues e parte da sua equipa.
Momentos para recordar. Em companhia do Sous-Chef André Cruz e o Sommelier André Figuinhas.
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