Doçuras de perdição com toque de sal. Descubra o último em sobremesas gourmet assinadas pelos grande
O grande final sibarita da Kitchen Party, Fine Wines & Food, no Vila Vita Parc.
A alta gastronomia vai avançando em todas as frentes. Entradas inesperadas e solúveis. Pratos principais com inusitadas misturas de sabores. Matérias-primas trabalhadas com rigor e técnica. E o grande apogeu, as sobremesas, esses concertos doces onde se trabalham com mestria pasteleira e olho criativo o açúcar, as natas, os ovos, os chocolates, as frutas e um sem-fim de ingredientes, para apresentar sempre a derradeira criação. E qual é a última tendência em sobremesas? Pois, segundo o que pude comprovar na Kitchen Party do festival gastronómico Fine Wines & Food, que decorreu no passado sábado, no Vila Vita Parc, a moda do momento é a sobremesa salgada. Deixam-se para trás os ingredientes clássicos da pastelaria e permite-se à imaginação culinária voar até produtos incomuns, vegetais e claro, a brisa de sal. Nestas novas sobremesas procura-se a insólita mistura do doce e do salgado, para criar surpresas em boca e desafiar a nossa memória gastronómica.
Chocolate branco Edelweiss, Nozes, Yuzu, Caviar Esturjão
Cinco chefes galardoados com Michelin e de reconhecido prestígio aceitaram o desafio da Kitchen Party e apresentaram uma das suas sobremesas-assinatura. É preciso dizer que trabalhar a sobremesa num certame deste tipo é quase uma labor inglória, pois os comensais degustaram previamente 17 pratos salgados e outras iguarias de produtos gourmet (presunto, queijos e chocolates), portanto estarão com os sentidos hiperestimulados e a barriguinha bem cheia. Porém, no corpo do verdadeiro gourmand existe sempre espaço para uma “sobremesazinha”. Ou duas. Bem, são cinco! Vamos lá fazer um esforço, porque esta vida são dois dias!
Do restaurante madeirense Il Gallo D’Oro, no Funchal, chegou-nos a criação doce de Benoit Sinthon (uma estrela Michelin) e de Yves Michoux, “bombom de chocolate branco Edelweiss, recheio de nozes, Yuzu e maçã Granny Smith, toque de caviar esturião e folha de ouro”. O aroma a mar e o sabor salgado do caviar aportam um toque excêntrico ao creme de chocolate e nozes, que é depois refrescado pelo caldo de cítrico do Yuzu, uma espécie de tangerina asiática e o crocante da maçã. Uma aposta doce-salgada ainda de nível suave, que surpreendeu também pela belíssima apresentação.
Preparação da sobremesa do Il Galo D'Oro.
O nível máximo da excentricidade doce e salgada foi atingida pela proposta de Dieter Koschina, chef com duas consolidadas estrelas Michelin no aclamado Vila Joya, no Algarve. O chef austríaco apresentou uma sobremesa de misterioso nome “milho doce e salgado”. Tratava-se de um doce creme de caramelo-salgado com pipocas no interior que aportavam crocante e o salgado. “Primeiro, estranha-se e depois entranha-se”. À primeira colherada somos tentados a reagir negativamente, não é de todo um sabor comum. Depois, a complexidade da sobremesa luta contra as nossas espectativas e a proposta afigura-se como uma inesperada surpresa doce. A última colherada é de desapontamento... isso sim, porque queremos mais!
Simples? Não-ooo! Esta é a surpresa
doce-salgada do Chef Dieter Koschina.
Da Alemanha chegou uma perfumada sobremesa de frutas de cânone clássico, sem (aparente) toque de sal. O Chef Karlheinz Hauser, com duas estrelas Michelin, do restaurante “Seven Seas” em Hamburgo apresentou uma majestosa sinfonia de pêssegos intitulada “Pêssegos saturno escalfados” com sorbet e macaron.
Sinfonia de Pêssegos Saturno escalfados,
pela mão do sorridente Chef Karlheinz Hauser.
E voltando à temática doce-salgada, Raúl Cachola, chef do Vila Vita Parc exibiu uma composição encantadora de “beterraba, queijo de cabra, chocolate branco e pistachios”, onde o ponto de sal também se fazia sentir. Neste ponto, já a rebentar costuras, foi um milagre encontrar espaço para degustar os sorbets de gin-tonic no Carrinho de Gelados.
Um final grandioso para uma grande festa de alta-cozinha, que reuniu um total de 33 estrelas Michelin e cerca de 300 convidados nos salões e jardins do Vila Vita Parc. Hoje, exatamente uma semana depois, sonho ainda com alguns dos sabores e experiências gastronómicas por ali experimentadas. Dizem que a próxima festa dos sentidos “Fine Wines & Food” será apenas em 2017, data que aguardaremos com muita vontade e espetativa!
Leia mais sobre este evento, no post seguinte: Exuberantes Criações Gastronómicas de Alta-Gastronomia na Kitchen Party do Fine Wines & Food.
Sobremesas salgadas: moda recente ou recuperação de antigas tradições gastronómicas?
Mas não se pense que esta moda das sobremesas salgadas é uma experiência surreal que acabou de chegar. Reza a história da gastronomia que já na época medieval se misturavam sabores doces e salgados. A sobremesa enquanto prato doce que finaliza a refeição é uma invenção recente, talvez dos princípios do século XIX. Sobremesa vem do francês “desservir” ou “le dessert” e significa o que se traz à mesa, quando desta se retiram os pratos sujos, travessas e demais utensílios usados na refeição principal. E foram precisamente os pasteleiros franceses que “inventaram” o artefacto cultural da sobremesa, enquanto prato doce de porção única.
Antes do século XIX o açúcar aparecia misturado em diversos pratos. Aliás desde que no século XI as Cruzadas introduziram a cana de açúcar na Europa, transformaram a gastronomia para sempre. Chamavam-lhe o “sal doce” e apareceu graças a expedições realizadas na Terra Santa. Segundo o historiador americano Michael Krondl, as primeiras sobremesas apareceram na cozinha asiática, apenas no século XVI, quando os mercadores portugueses (claro, que isto tinha que vir daqui!) levaram o pão-de-ló (kasutera) para o Japão.