Felicidade embalada com o movimento do comboio.
Sabe aqueles dias em que tudo parece mais bonito? Até as pequenas coisas parecem ter outra cor? E os problemas, se aparecerem, são encarados como desafios e oportunidades mágicas? Pois, hoje é um dia desses. E não há nenhuma razão especial: acordei como de costume, bem cansada depois de uma semana cheia de trabalho, mais as aulas do doutoramento à sexta-feira que me extenuam.
Arranjei-me e apanhei de novo o comboio de Coimbra ao Algarve. Desta vez não fui no Alfa, escolhi fazer o caminho em dois intercidades porque chegava mais cedo. E então, ao sentar-me na carruagem, assim, de forma inesperada, entrou-me esta enorme felicidade. Este tremor interno que abana a existência. Estou viva, viva! E sinto-me imensamente (e inexplicavelmente) feliz por isso.
Há qualquer coisa de mágico em escrever num comboio. As paisagens sucedem-se nas janelas, os vales e as serras, as árvores impávidas à passagem do tempo, do nosso tempo, carregado pela máquina que desbrava caminhos e nos leva lá onde queremos ir ou voltar. As sombras, as luzes deste dia de Outono dourado unem-se à valsa dos tremeres dos carris, que nos sacodem suavemente até levar-nos a um torpor de bem estar. Estamos em movimento. O corpo em movimento. A alma em movimento. E também os pensamentos parece que fluem melhor e que dão vida e asas aos dedos que escrevem em uníssono tic-tac-tac com o taque-taque-taque dos carris.
O trajeto Coimbra-Lisboa passou a correr. Mas a descida até ao Algarve em vez de demorar três horas demorou mais um bocadinho. Houve um problema: uma avaria na linha e o comboio teve que percorrer uma linha alternativa passando por Alcácer do Sal. Lá está, num dia normal teria ficado fula, impaciente, chateadíssima por estar tantas horas num comboio e com tanto que fazer! Mas hoje, como tenho este bem estar interno que chegou sem avisar, relaxo-me e aprecio a poética paisagem do Sado.
Venham as planícies, as árvores, os baixios, os cavalos à solta, as cegonhas e os pássaros. Venham pinheiros mansos, azinheiras e oliveiras, sucedam-se em catadupa! Não é possível apreender tanta beleza e ficar indiferente. Se não pôde sair hoje de casa (ou do trabalho), recoste-se no sofá, feche os olhos e recorde a sua última viagem de comboio. Deixe que as paisagens e o solzinho que aquece a pele da sua cara a leve para longe, para bem longe dos problemas... Bom sábado! Vamos ser felizes!