Do Algarve a Coimbra arranja-se meia vida.
Estou no Alfa. Há cerca de dois anos que percorro mais de metade do nosso País todas as semanas. Conheço de memória o trajeto Algarve-Coimbra. Estou a tirar o doutoramento na cidade que me viu nascer e onde ainda guardo família e amigos maravilhosos.
As viagens constantes em comboio estão a ser um esforço terrível, porque enjoo grande parte do tempo. Um suplício! Mas há alturas, como esta em que passo sobre a ponte do rio Tejo com a hora dourada a iluminar Lisboa que me fazem sorrir de paz.
É muito estranho ter tempo para mim e para pensar. Normalmente no trabalho e em casa, estou sempre rodeada de pessoas e de coisas para fazer, sítios aonde ir. Ficar 4 horas e meia sentada, presa, num comboio dá para arranjar meia vida. Leio os artigos e os livros do doutoramento - Meu Deus, alguma vez terei tempo para ler (e entender) toda esta bibliografia?-; aproveito para responder a alguns e-mails do trabalho e se me dá a "preguicite" vejo algum filme ou série no computador.
Mas eu gosto é de olhar para as pessoas que se sentam nos bancos, entram e saem em diferentes estações, ataviadas com as suas vidas, as suas bolsas e os seus pensamentos. Tento adivinhar-lhes as histórias, quem são, o que fazem, aonde vão e se são felizes.
Quando contei, entusiasmadíssima, aos meus amigos que ia voltar a estudar, Perguntaram-me: porquê? para quê? Tentei explicar-lhes sem grande sucesso, que o mundo do trabalho por mais criativo que seja, anda a uma velocidade tão grande e tão rapidamente que quase não me dá tempo para pensar, nem em ti, nem no mundo. Para além disso, trabalhava tanto que chegava ao fim do dia e já nem me lembrava do que tinha feito, pois tinham sido tantas e tantas as tarefas que a minha capacidade de gestão de espaços e tempos terminava desorientada. Embrutecida pela incessante roda do trabalho e da competição. As semanas voavam sem dar-me conta. E comecei a sentir-me cada vez mais estúpida. Um dia parei o carro no caminho para o escritório e comecei a chorar. Baba e ranho. Que sentido tinha tudo isto?
Por isso, com o inesgotável apoio do meu marido (pois sem ele nada disto seria possível) resolvi dar o salto, lançar-me ao vazio, à aventura de um mundo novo e... voltei a estudar!
Agora ando embrenhada com a escrita de artigos, apresentações em conferências e a leitura de centenas de capítulos... termino cansada, mas com a sensação de que aprendi algo novo.
Custa fazer tanta viagens? Claro. Passar tantas horas sentada que no final termino com dores terríveis nos joelhos e nas costas? Também. Ter que dizer não a maior parte das vezes que o marido, as amigas ou a família saem para aproveitar um raio de sol e eu tenho que ficar em casa em frente ao computador, seja segunda, sábado ou domingo? Pois claro. Custa voltar a estudar e a memorizar depois de estes anos todos? Ohhh, sim e sim e graças a Deus pelas vitaminas! Mas lá está, o fácil não move montanhas.
Não sei se acabarei esta viagem a saber mais coisas, ou simplesmente com mais dúvidas e incertezas. Não sei se ficarei mais sábia nesta descoberta de novos limites. Mas uma coisa sei.... O que mais gosto é de saber que no final do caminho, quando o comboio chega a Coimbra, tenho o meu pai e a minha mãe à espera com um sorriso por me ver. E na volta ao Algarve tenho o meu marido. Porque, o único que conta, estudando ou trabalhando... são as pessoas que aquecem o nosso coração.