A feira das vaidades em Puerto Banús.
S.W.
Com que mordaz realismo descreveriam Flaubert, Queirós ou Quental as avenidas de Puerto Banús? Que palavras escolheriam para retratar a vida, as morais, as personagens, os cenários costumbristas que se vivem em Marbella?
Gostaria de poder descrever-lhe com a mesma mestria a deliciosa confusão de pessoas, cores, olhares, aromas, marcas, jóias, carros, sorrisos insinuantes e triunfantes que se cruzam e inter-cruzam numa cacofonia sem fim e que se vive cada Verão em Puerto Banús, em Marbella, no sul de Espanha.
É para esta marina de luxo, rodeada de boutiques das marcas mais desejadas do momento, de pessoas exuberantes, de iates e carros ostentosos e de sonhos envernizados, que o Avenida Chique viajou esta semana.
Estamos em estação alta. Não há quartos de hotéis disponíveis e mesmo que houvessem, os preços roçam as nuvens. Crise? Qual crise? Aqui vive-se numa borbulha de champanhe.
Já anoiteceu. As luzes dos restaurantes e vitrinas das lojas rivalizam em intensidade com as luzes dos iates e os faróis dos carros desportivos que se passeiam entre as gentes. As senhoras são lindíssimas, bronzeadas e adornadas com jóias, vestidos e sapatos haute-couture. Os senhores chiquérrimos, com os seus blazer Boss Premium de verão, cintos Hermés a reluzir, jeans de moda, cabelos e barbas impecáveis (a moda das barbas também anda por aqui, mas claro, aparadíssimas) e nas mãos bamboleiam-lhes os porta-chaves dos Ferraris, Aston Martin ou Lamborghinis...
As boutiques das marcas mais caras como Louis Vuitton, Prada, Gucci, Valentino ou Cartier estão cheias. Sim, cheias. Famílias inteiras de origem árabe enchem as lojas e saem com sacos e saquinhos.
Entro na Louis Vuitton para namorar a nova coleção de malas e cruzo-me com uma belíssima senhora de feições árabes, discreta, com o véu a envolver-lhe a cabeça e parte do rosto. Toda ela coberta, dos pés à cabeça. Mas os olhos caiem-me involuntariamente no punho da senhora. Um caríssimo Rolex em tamanho grande, completamente incrustado a diamantes. Os dedos cobertos por pedras preciosas. Curiosa, a oposição entre a discrição do véu muçulmano e o brilho ofuscante das jóias.
Cá fora no passeio à beira da marina, os transeuntes passeiam-se para admirarem e para ser admirados. Escolhem-se as melhores galas, os melhores vestidos. Arranjam-se os penteados, perfumam-se para eles e para agradar aos demais. Quem pode, passeia as malas de marca. Muitas Chanel, Hermés, Guccis, Louis Vuitton e Michael Korrs. Quem não pode, usa as malas falsas, com o mesmo orgulho de quem passeia as reais.
Nova dicotomia: as malas mais vistas são as da Michael Korrs e as vitrinas exibem-nas sobre pedestais dourados. Cá fora, na rua, um vendedor de ébano vende as versões falsas e ri-se de quem compra nas lojas: "mas se as minhas são mais baratas! Não percebo esta gente!" apregoa, satírico.
Vamos jantar e escolhemos um dos mais célebres restaurantes: "Los Bandidos". Está situado mesmo na lateral do passeio, ao lado da Louis Vuitton e tem uma decoração inspirada no imaginário da mafia italiana de Hollywood. Fotografias do "Il Padrino" decoram as paredes e intercalam-se com prateleiras de vinho tinto: Petrus, Vega Sicília, Alabaster, Trasnocho... Do teto caem grandes ramos de alfazema secas e uma luz discreta envolve o ambiente. As mesas estão cheias, a reserva é essencial e... não temos. Arriscamos, empunho a Birkin e peço mesa. Nunca falha. E efetivamente arranjou-se logo uma mesinha. (Diz o meu marido entre-dentes: "essa mala é o equivalente ao meu Porsche, abrem-se-lhe todas as portas!")
Já sentados entre franceses, americanos e russos, pedimos para a entrada uma "salada de caranguejo chakra" e uma "tosta brioche de cantarelas". Depois seguiu-se uma "pasta com trufa e crema" e um lombinho com molho de pimenta "a la Kurt". Os preços, exagerados. Corrijo, exageradíssimos. A apresentação e o sabor dos pratos razoáveis. Como a luz era "romântica" as fotografias que fiz com o telefone estão muito más. Desculpem.
Enquanto se janta pode-se observar o passeio, pois o restaurante tem as grandes janelas abertas ao Puerto Banús. E a experiência vale pela animação que se sente, a adrenalina do consumismo, do mostrar e querer ver. Contemplar o desfilar dos carros milionários que rodam devagarinho entre as pessoas. As centenas, senão milhares de "selfies" tiradas pelo passeio: uma ao lado do barco, uma ao lado do Ferrari, uma à porta da Cartier, outra a tomar um champanhe no "Sinatra", no "Tchin-Tchin" ou no "News Cafe"...
Ao lado do passeio, na lateral marinha, alinham-se os barcos. Perdão, os mega-iates. Daqueles com direito a mordomo, cozinheiro, capitão e pelo menos três marinheiros. Verdadeiros palácios flutuantes onde ondulam bandeiras europeias, russas, árabes e africanas e saltam, exultantes, as rolhas de champanhe francês. E os felizes proprietários dos barcos não se importam de ser admirados, fotografados, idolatrados pelas massas que passeiam em Louboutins pelas laterais. Aliás a marina de Puerto Banús está cheia cada verão, e são precisamente os lugares mais perto do passeio, os mais caros e os mais procurados para amarrar os barcos. Lá está, aqui não importa só estar, também é preciso ser visto.
Não, não estou a viver um sonho de uma noite de verão, também não tenho febre, mas confesso que ver tanta abundância e ostentação dá-me um bocadinho de azia. É isso, a decadência do dinheiro elevada ao extremo deixa-me uma ligeira náusea existencial. Pobre Sartre, o que diria se andasse por aqui. Não me levem a mal, não é o ter dinheiro que me incomoda. É a ostentação que me faz comichão moral.
Se me contassem eu não acreditava. Mas estive lá e vi. Faça o mesmo, se puder. Vá ver esta feira de vaidades, pois vale a pena admirar os animais exóticos do consumismo. Se não puder ir, acompanhe no instagram.. ponha #puertobanus e verá a quantidade de "selfies" qua são tiradas diariamente. Fiz-lhe uma seleção que pode ver no final do post.
Volto para o hotel para descansar... E o desconcertante é que me olho ao espelho e reconheço que pertenço de alguma forma a esta especie...
Restaurante "Los Bandidos": +34 952 815 915 +34 654 018 967 http://www.losbandidos.es/
E aqui fica o melhor do Instagram sobre Puerto Banús dos últimos días: