Entrevista. Hans Neuner, um duas estrelas Michelin em ascensão.
É um dos melhores chefs de Portugal, mas guarda a simplicidade de quem trabalha por gosto e paixão. Chegou ao nosso país em 2007 com a missão de reunir uma equipa capaz de ganhar uma estrela Michelin. O trabalho esforçado rendeu frutos cedo: em 2009 recebeu a primeira estrela e em 2011 foi abençoado com a segunda, que manteve estoicamente até hoje.
Antes de chegar ao Ocean no Vila Vita Parc, o currículo de Hans Neuner incluiu passagem por hotéis de referência como o Carlton em St. Moritz ou o Dorchester em Londres. Passou também pelo restaurante Tristán em Maiorca, antes de se juntar ao seu mentor Karlheinz Hauser na Alemanha, primeiro no Hotel Adlon em Berlim e depois no Süllberg em Hamburgo. Com o objetivo de atingir o reconhecimento por mérito próprio, Hans veio para o VILA VITA Parc em Portugal como Chef Executivo do restaurante Ocean, colocando o restaurante no caminho para o sucesso Michelin.
Vim ao Vila Vita Parc conversar com Hans Neuner algumas horas antes de abrir o restaurante Ocean e fiquei a saber mais sobre o chef e o homem galardoado com duas estrelas Michelin. Acompanhe-nos nesta conversa...
O Chef Hans Neuner. Vasco Célio / Stills
Como foi que tudo começou? Quando descobriste que querias ser chef?
(H.N.) Muito cedo. A minha família vem do negócio da restauração e encontrei-me a trabalhar atrás dos fogões ainda era um rapaz. Já sabia que não queria estudar disciplinas formais, queria ação, aventura... portanto o meu destino imediato foi ajudar a minha família no restaurante. Mas é preciso lembrar que na altura, ser chef, não era nada glamoroso. Estávamos nos anos 90 e a cozinha não tinha a dimensão artística que tem hoje. Eu nunca sonhei ter nível Michelin, cheguei à gastronomia atraído pela possibilidade de viajar, de conhecer mundo, outras culturas e outros povos. Saí da Áustria com 18 anos e desde então não parei de viajar...
Tens uma referência, alguém que te inspire?
(H.N.) No meu período de formação tive contato com grandes chefs, por exemplo Gerad Schwaiger ou Karlheinz Hauser... eles tiveram um papel importante em definir o que sou hoje na cozinha. Depois, uma pessoa vai crescendo, desenvolvendo-se e procurando outras referências. Ultimamente venho-me a desligar dos ensinamentos iniciais e procuro concentrar-me no seu trabalho.
Pensando no teu último menu para o Ocean... Qual é o teu prato favorito?
(H.N.) Todos. (Ri-se) Não, a sério. São todos os pratos até porque o menu atual é uma coleção dos melhores pratos que tenho desenvolvido nos últimos anos. Estou numa fase em quero apostar na estabilidade e não me apetece arriscar coisas sem sentido. Estes pratos são os melhores da minha coleção e fazem os meus clientes felizes, todas as noites. E quem é que pode dizer isto? Este é o melhor prémio que um restaurante ou um chef pode ter. Tenho clientes que estão alojados uma semana no hotel e voltam todas as noites para jantar na minha mesa. Esse tipo de reconhecimento conta muito mais para mim, do que arriscar.
Define a tua cozinha. Simples? Complicada?
(H.N.) Há alguns anos alguém escreveu que a minha "cozinha é simples" e desde então o conceito tem-se repetido de forma contínua. Eu não acho que a minha cozinha seja simples, porém, é verdade que aposto na simplicidade dos sabores. Nós, os chefs, temos tendência a adicionar sempre mais qualquer coisa a um prato, na procura incessante daquele sabor grandioso. Sou apologista do "less is more". A matéria prima se for fresca e trabalhada com respeito não precisa de muito para brilhar. Gosto de manter os sabores autênticos e para isso o melhor é contar com produtos frescos, locais e colhidos na hora. Uma melancia por exemplo. Se for apanhada da terra e saboreada naquele momento, tem um sabor completamente diferente do que se for consumida depois de refrigerada. Não creio que a maioria das pessoas seja capaz de diferenciar esses sabores e aromas, mas é a minha responsabilidade como chef a procura e a preservação dos sabores autênticos e praticar uma cozinha responsável com o ecossistema.
Gostas da cozinha portuguesa? Qual é o teu prato favorito?
(H.N.) Sim, em Portugal há muitos pratos que me apaixonam, especialmente os relacionados com o mar. Adoro uma boa cataplana ou uma boa feijoada. Nas receitas tradicionais a única coisa que não aprecio muito é o excesso de gordura, mas isso acontece não apenas na cozinha tradicional portuguesa, também na espanhola, na austríaca, na alemã... corresponde a um momento social e histórico onde as pessoas não tinham tanto dinheiro e usavam a gordura de outra forma, para saciar e dar sabor. Hoje estamos num momento em que as gorduras são menos usadas, ou quando são utilizadas são no de forma mais consciente e informada. Em geral, hoje come-se mais saudável e por isso os gostos e os paladares estão a mudar...
Quando não estás a trabalhar a que restaurante gostas de ir?
(H.N.) Gosto de visitar o meu amigo Dieter Koshina no Vila Joya. No meu e no seu restaurante temos sempre uma mesa reservada um para o outro. Somos quase família. Outro restaurante de que gosto, de outro tipo completamente diferente é o Noélia em Cabanas de Tavira... essa mulher sabe mesmo cozinhar...
Quais são as matérias primas favoritas para trabalhar?
(H.N.) O peixe, frutos de mar e os mariscos, especialmente os frutos do mar. Ou não percebeste que estás sentada no "Ocean"? (ri-se com picardia)
Como é o processo da criação de um prato? De onde vêm as ideias? Quantos test são precisos para atingir a perfeição?
(H.N.) hum... é sempre diferente. Não há um lugar ou um sítio para a criação. As ideias... a inspiração vem em qualquer momento. Às vezes é na cozinha, outras vezes é quando ando de mota, outras vezes de barco no mar algarvio... outras vezes até é no avião quando volto de alguma viagem. Tenho o hábito de, sempre que posso, viajar a outros sítios e conhecer o trabalho de outros chefs... é dessa procura que surgem ideias novas... mas realmente eu não crio sozinho. Tenho uma equipa de 25 pessoas a trabalhar comigo e sem eles não sou nada. Eles criam em conjunto comigo, trazem ideias, conversamos, pomos em prática... há chefs que escondem esse trabalho, mas eu faço questão de dizer, que o que sou, sou-o porque tenho uma excelente equipa.
Duas estrelas Michelin. Incrível reconhecimento do trabalho de um chef ...mas também uma enorme responsabilidade. Como lidas com a pressão?
(H.N.) Pressão? A verdade é que eu não posso falar em pressão porque sou afortunado em trabalhar numa empresa que não olha a meios para me proporcionar tudo o que preciso para o meu trabalho. Já viste a minha cozinha? As pessoas que trabalham comigo? Tudo aqui é do melhor, as melhores máquinas, os melhores produtos, os melhores profissionais. Pagam a todos a tempo e horas, respeitam os empregados. Sabes o difícil que é encontrar condições assim? Não posso, portanto, falar em pressão, quando há Chefs por aí a trabalhar em condições bem distintas. Mas naturalmente que há desafios. O primeiro é o humano. Mais do que chef sou gestor de pessoas, de humores, de sentimentos e expetativas. Há dias em que não se entendem. Todos temos as nossas coisas, os nossos problemas. Na equipa há portugueses, italianos, austríacos, somos todos um pouco de cada lado... O meu trabalho é assegurar-me que independentemente das diferenças, a equipa se leve bem e que, todos os dias, às sete da tarde, esta cozinha funcione como um relógio. Todos os dias isto tem que funcionar. Temos que dar o nosso melhor. Os cliente têm que sair sempre, sempre felizes. Demorei a lá chegar e agora a minha missão é assegurar-me que isso se mantém...
O atual menú do Ocean inclui um repertório de nove pratos testados que definem a abordagem de Neuner à nova-gastronomia:
Taco Português, Sardinha de Sagres, Couve
Frango Piri-pri
Ostra, Foie Gras, Ananás dos Açores
Maridados com um Ninfa 2014, Tejo
Gamba violeta, Choco, Yuzu, “kale”, Daikon
2015 Soalheiro Terramater, Vinho Verde
Alho Francês, Caviar Imperial, Toucinho, Raiz de Salsa, Levístico
Vale da Capucha, Lisboa, 2013
Linguado do Atlântico, Chicória, Crosne, Trufas Périgord, Aipo
Maridado com um Guru de 2015, Wine & Soul, do Douro
Salmonete de Sagres, Feijoada, Batata-Doce
Harmoniza com um Casal de Santa Maria, Pinot Noir, Lisboa
Codorniz, Chimichurri, Cavolo Nero, Espargos
2011, Lacrau, Secret Spot, Douro
Pluma de Porco Preto, Maçã Verde, Grelos, Mostarda, Fermento
2011 Mãos, Signature Rafael Miranda, Douro
Sobremesas
Pipocas, Morangos Costa Vicentina, Limão
Ovos Moles de Aveiro, Gema de Ovo, Laranja
Chocolate Maracaibo 65%, Avelã, Kumquat
Sobremesa harmonizada com um Barbeito Malvasia 10 anos, Madeira.
Para ler a nossa crónica gastronómica sobre o menú atual, leia o post "Hans Neuner. A reformulação da Gastronomia Portuguesa"
Para mais informação ou reservas, consulte o website do Restaurante Ocean.
Direção: Rua Anneliese Pohl, Alporchinhos
Porches, Algarve
Telefone: + 351 282 310 100 Email: reservas@vilavitaparc.com
Horário: De Quarta a Domingo – só jantares - 20:00 to 23:00
Informações Adicionais:
■ Aconselha-se Reserva; ■ Etiqueta: Elegante; ■ Crianças a partir dos 12 anos
■ Preço por pessoa 135 euros (valor orientativo)
Créditos Fotográficos: Avenida Chique | Vila Vita Parc e Vasco Célio - Stills
Comments