Quinta da Regaleira, a joia mais enigmática de Sintra.
Foi logo de manhã. Acordei com borboletas no estômago e uma vontade imensa de partir à descoberta. Nem a cama fofinha do Palácio de Seteais (ler aqui) aguentou com a minha curiosidade. Eu só queria, mesmo, era pôr-me a caminho dos belos palácios da Serra de Sintra, descobrir tudo com a alma limpa e os olhos grandes de criança adulta. Sinceramente, isto sim, é que uma “Disneyland”. Aqui há lendas, estórias, mitos e tantas camadas de História por descobrir.... Há lugares perdidos, encapsulados num tempo que nos sugam e nos fazem viajar décadas, senão centenas de anos ao passado. A minha imaginação fica descontrolada e sou capaz de imaginar as vidas daqueles que mandaram erigir os enigmáticos palácios, dos que neles habitaram e aqueles, que como eu, por ali passaram de boca aberta assombrados com a estranha beleza deste lugar. As palavras de José Saramago descrevem bem este lugar especial “daria um bom paraíso se Deus fizesse outra tentativa” (in Memorial do Convento, 1982).
Do Palácio de Seteais ao Palácio da Regaleira é um pulinho. Em menos de dois minutos a pé, pela rua Barbosa de Bocage, estamos na entrada da Quinta da Regaleira, no portão superior. Nos muros exteriores que ladeiam o caminho, as pedras rugosas estão cobertas por um musgo espesso, onde vários enamorados desenharam corações e as iniciais dos seus nomes, talvez uma forma de imortalizar o seu amor. Aliás, um pouco por toda Sintra é possível observar, para quem tem o olho sensível a estes detalhes emocionais, uma grande carga positiva de amor, mas também de melancolia. Já dizia o nosso Camões que o “Amor é um fogo que arde sem se ver / É ferida que dói, e não se sente / É um contentamento descontente / É dor que desatina sem doer.” A atual rua de Barbosa de Bocage é o antigo percurso que ligava o Paço Real ao Palácio de Seteais, no limite do centro histórico da Vila de Sintra.
A Quinta da Regaleira é a joia arquitectónica e natural mais enigmática de Sintra. Deve-se a um luso-brasileiro Carvalho Monteiro, que entre 1898 e 1912, criou as caraterísticas atuais da quinta, uma mistura eclética de estilos Neomanuelino, Neogótico e Neorenascentista. Esta é uma quinta que conta com um jardim misterioso cheio de pequenos monumentos, escadarias, cascatas, fontes, grutas subterrâneas e misteriosos poços, uma capela, casas de apoio e cavalariças e um extraordinário palácio, o Palácio da Regaleira. Tem que despender ao menos um meio dia completo para poder ver toda a quinta, e mesmo assim, fica-se com vontade de por lá passar mais tempo a descobrir todos os recantos.
A Capela da Regaleira foi construída segundo o estilo Neomanuelino e é um verdadeiro mimo. Para quem gosta dos significados iconológicos, vai ficar deliciado com o ciclo mariano e crístico, as cenas da Anunciação e da Coroação de Maria. O olho treinado divisa vários simbolismos que ligam a família à Ordem de Cristo e aos enigmáticos Templários. Como não poderia deixar de ser, a capela tem um misterioso acesso subterrâneo ao Palácio.
Percurso Iconológico
O Jardim da Quinta da Regaleira oferece uma coleção de árvores, arbustos e plantas de vários pontos do mundo. Na época havia o gosto pela coleção botânica e pelo desfrute da natureza, porém, Carvalho Monteiro, homem de espírito científico e de grande cultura tinha planos mais ambiciosos para o seu jardim. Desenhou nele um misterioso percurso iconológico, imbuído de recantos cheios de magia e lendas que conformam quatro hectares de pura beleza.
O jardim é ideado como uma representação do Cosmos, onde há lugar para o Amor e o Ódio, o Paraíso e o Inferno. Dizem que as grutas e os percursos subterrâneos da Quinta da Regaleira são a materialização do mundus inferus, uma associação literário ao mundo de Dante. Em todo o jardim existem monumentos ou cenários que parecem ter migrado das páginas das novelas e das óperas trágico-românticas e das grandes epopeias para a realidade. Encontram-se referências à mitologia grega, ao Olimpo, a Virgílio, a Dante, a Luís de Camões, aos enigmas dos Templários e da Ordem de Cristo e aos mistérios da Magna Obra Alquímica.
O Monteiro dos Milhões
Uma pequena curiosidade: o Palácio da Regaleira é também conhecido como o "Palácio do Monteiro dos Milhões" devido à alcunha do seu principal proprietário e mentor da obra, António Augusto Carvalho Monteiro. Este ilustre luso-brasileiro nasceu no Rio de Janeiro no seio de uma abastada família portuguesa. Veio estudar para Portugal, nomeadamente cursou Direito na Universidade de Coimbra. Foi na cidade "dos estudantes" onde terá ganho o amor à cultura e conhecimento, tornando-se um grande colecionador de livros, obras de arte e de espécies botânicas.
O Portal dos Guardiães:
saído de um esboço da Ópera onde se dissimula a entrada para o Poço Iniciático.
O lago da Cascata onde existem ligação às grutas subterrâneas.
O Poço Iniciático da Quinta da Regaleira.
São 27 metros de torre invertida onde se materializa a enigmática ligação entre o céu e a terra.
Vale realmente a pena, se for como eu apaixonada por todos este simbolismos, fazer a visita guiada, onde nos contam as estórias, e nos guiam pelo fio de Ariadne deste enigmático lugar.
O Palácio da Quinta da Regaleira tem forte influências neogóticas e foi desenhado e construído sob a orientação do arquiteto italiano, Luigi Manini. Demoraram-se apenas 14 anos para erigir esta joia arquitectónica, uma das últimas obras do arquiteto em Portugal. Manini tinha sido também responsável pela construção do Palace Hotel do Buçaco e por diversas obras de reformas e pinturas nos teatros de D. Maria II e no Real Teatro de São Carlos.
Viver hoje a Quinta da Regaleira: Experiências e Atividades
O Palácio da Regaleira está hoje, muito bem conservado e é uma delícia passear-se pelas diferentes estâncias e imaginar a vida exuberante da família Monteiro. Este é um dos lugares de visita obrigatória em Sintra, e eu diria, em Portugal. Só tenho pena que ainda nenhum produtor de Hollywood tenha descoberta esta joia e a utilize como cenário para um belo conto fantástico.
A Quinta da Regaleira é um lugar absolutamente mágico e enigmático e existem várias formas de o desfrutar, pois são frequentemente organizadas ações culturais de dança, teatro ou eventos como jantares gourmet e noites de fado. Durante o verão a agenda é mais preenchida e desenvolvem-se vários espetáculos de teatro, ópera, recitais, concertos e cinema ao ar livre. Aos fins-de-semana, desenvolvem-se actividades lúdicas em vários recintos do parque, por exemplo o Tai Chi ou a dança. Para os mais pequenos existem várias atividades pedagógicas, como percursos temáticos e contos. Quando visitei a Quinta da Regaleira estava a decorrer um Conto de Natal para crianças no belo edifício das Cavalariças.
Aconselho-a a informar-se na página web: http://www.cultursintra.pt se existe agendado algum evento que coincida com os seus dias de visita a Sintra. Desde 1997 que a Quinta da Regaleira é da propriedade da Câmara Municipal de Sintra e está a ser gerida pela Fundação Cultursintra. Este maravilhoso lugar abriu ao público em 1998.
Uma informação prática: a Quinta está dotada de várias casas de banho e de um bonita cafetaria onde se pode almoçar ou lanchar com vista para o Palácio e para a Capela. Em dias de sol é muito agradável beber um refresco no "Terraço das Quimeras".
Veja por aqui algumas das fotografias que testemunham a beleza enigmática da Quinta da Regaleira:
Galeria Fotográfica | Quinta da Regaleira | Copyright: Avenida Chique
Também consegui reunir o mapa descritivo e ilustrado disponibilizado pela Cultursintra, do Palácio e da Quinta da Regaleira:
Faça click na imagem para aceder ao mapa em pdf.