Pestana Palace: Dormir na cama do Rei
Fui a Lisboa para participar de um congresso. Farta dos hotéis impessoais da cidade decidi procurar um lugar com charme e encantamento histórico. Foi quando me lembrei do Pestana Palace. Há já muitos anos que desejava alojar-me num antigo palácio lisboeta com vistas ao Tejo. Reservei um quarto para uma noite, sem saber que me aguardava uma das mais belas surpresas em hotelaria alfacinha.
O Pestana Palace está localizado num monumento nacional, o antigo Palácio Valle Flor, rodeado de um jardim de inspiração francesa. Ao chegar, a histórica fachada exterior saúda-nos com o peso do tempo, resquícios de uma era de riquezas e poder.
O Palácio foi a antiga residência de férias do Marquês de Valle Flor, um trasmontano de raízes humildes, nascido José Constantino, e que se fez de ouro com o negócio das plantações de cacau numa antiga colónia portuguesa, o longínquo arquipélago de São Tomé e Príncipe. A tenacidade e o espírito empreendedor fizeram deste homem um “self-made-man” do século XIX, respeitado por empresários, políticos e pela Casa Real Portuguesa. Foi pelos serviços prestados à Coroa, que José Constantino foi distinguido pelo Rei D. Carlos com o título nobiliárquico de Marquês de Valle Flor. A nós portugueses, deixou-nos esta joia arquitectónica cheia de estilo e ornato, a destilar beleza numa das colinas lisboetas.
Ao chegar em carro próprio, entramos no Palácio pela esplendorosa porta lateral, desenhada inicialmente para charretes de cavalos. O arquiteto italiano Nicola Bigaglia, que colaborou em 1905 com os planos finais do edifício, não deixou nada ao acaso, nem sequer esta suposta entrada menor.
Hoje, está convertida num dos mais bonitos foyers de hotel de Lisboa, com imponentes escadarias em mármore bege e rosa estilo francês, os imponentes arranjos florais e sob o olhar atento e bem fardado dos bell-boy que nos recebem com pompa e circunstância.
Creio que foi nesse instante. Sim, terá sido aí, à saída do carro, que eu percebi que esta estadia ia ser completamente diferente de tudo aquilo que eu esperava. Foi um milésimo de segundo. O ponta do meu sapato a tocar as escadarias e o meu ser a estremecer. O tempo infinito desmanchou-se em pérolas. Já não era eu, transformei-me numa marquesa do século XIX.
A receção do hotel, um espaço pequeno, quase um boudoir em madeira e papel de seda azul, oferece um check-in rápido e discreto. Veio receber-me, calorosamente, o próprio diretor do Hotel. Entregou-me uma chave pequena com um berloque de veludo vermelho e anunciou em voz cúmplice “vai ter uma surpresa, espero que goste”.
Uma das senhora da receção escoltou-me até ao quarto. Fez-me sinal para entrar no elevador e pressionou o botão do primeiro piso. Enquanto subíamos, juro que ouvi tocar as “Quatro Estações” de Vivaldi, mas já não sei especificar se foi o fio musical do elevador, ou fruto da minha imaginação delirante.
Ao abrir-se a porta, sou envolta pelo aroma a madeira antiga do corredor do palácio. Aqui a luz não é muito abundante, por isso segui a senhora até ao fim do corredor, sem perceber muito bem onde estava. Chegámos a uma porta com uma pequena tabuleta, onde se lia Suite D. Carlos. Será aqui? Incrédula, respirei fundo.... e entrei.
Imediatamente, a surpresa desenhou um “ahhhh!” de espanto nos meus lábios. O que a porta emoldurava estava muito longe do que eu poderia imaginar. Encontrava-me na mais luxuosa suite histórica do Palácio de Valle Flor. Todo o interior decorado ao estilo de Versailles, o teto alto com frescos e ornamentos rococó, as paredes cobertas por painéis com frisos, folhagem dourada de acanto com flores, sedas e veludos nas cortinas e nos cadeirões. Um sonho.
Dentro da suite, um hall de teto alto conduz-nos à sala de estar, ao escritório e sala de reuniões, ao quarto de dormir, à zona de vestir, à majestosa casa de banho e ao terraço exterior virado a sul. Das janelas, vista panorâmica sobre o Tejo e sobre o luxuriante vergel do jardim francês do palácio. Uma suite tão grande, tão grande que me perdia sempre que procurava a casa de banho.
Um vez sozinha percorri, como "Alice no País das Maravilhas", as diferentes estâncias da suite. A cama dupla com dossel e almofadas pareceram-me uma nuvem de fantasia. Atirei-me a ela como uma menina pequena. Deixei cair o corpo mole, lentamente no vazio do ar, para aterrar na superfície macia e luxuosa. “Que boooom!” Os olhos arregalados descobrem uns belíssimos frescos no teto pintados por Carlos Reis. Tiro os sapatos e deixo os meus pés acariciar a geometria em madeira exótica que reveste o chão, talvez trazida de São Tomé e Príncipe.
Na casa de banho em mármore, esperava-me uma poética banheira em vermelho esmalte e pés de cobre. Ali desfiz-me das últimas amarras com o presente e mergulhei por completo na personagem de marquesa.
No escritório, sentei-me na escrivaninha em madeira com o tampo coberto a pele verde e imaginei as personalidades que por ali já tinham passado. Pensei no Marquês de Valle Flor, mas também nos seus ilustres convidados franceses e nobres portugueses, quem se terá sentado nesta cadeira? Desde que o Pestana Palace é hotel, já por ali passaram o cantor americano Prince e também a Rainha de Espanha, Dona Letízia, na altura ainda Princesa.
Refastelei-me no divã rosa da sala de estar, a saborear a substância do tempo enquanto admirava os móveis de fin de siècle com as porcelanas originais e os painéis nas paredes com os frescos e os frisos ganhavam vida com o plácido sol da tarde. Ao escolher este hotel nunca pensei ficar alojada, ali, na suite com nome de Rei. Como nos contos para crianças, o Pestana Palace enfeitiçou-me e fui, sim, eu fui marquesa por um dia.
Não perca nos próximos posts, a descrição das zonas sociais deste pequeno Versailles Lisboeta; o brunch e o maravilhoso jardim francês; e uma incursão pelo SPA do Pestana Palace.