As Mauricias deixam na pele o aroma a canela e a café tostado
S.W.
Sulcando as águas coralinas da costa das ilhas Maurícias, as velas do catamaran ondulam em branco marfim. O sol queima a pele e levanta um aroma a canela e café tostado. De repente, como uma bênção divina, começa a chover. Da imensidão azul do céu, rompem as gotas gordas e quentes, a chuva Africana. Intensa, inesperada, carregada de energia. Para qualquer europeu, presenciar este fenómeno da Natureza compensa as 17 horas de avião que nos separam desta ilha Africana, banhada pelo Índico.
Cheguei à poucas horas e já tenho o verde tropical e o cheiro da terra vulcânica fértil a inundar-me os sentidos. Estou no Long Beach Hotel, situado em Belle Mare, no nordeste da ilha, a uma hora do aeroporto. É um resort com uma cuidada arquitetura, design atual, jardins luxuriantes. O melhor do hotel é a praia de areia branca, a dois minutos da cama e de onde se pode literalmente correr ao despertar e mergulhar na água turquesa do Oceano Índico. Este resort é um templo do prazer hedonista, spas, ginásios, piscinas infinito, cuidada e variada gastronomia com estrela Michelin e um serviço impecável, mas não é só isto que espero encontrar nas Ilhas Maurícias.
Nada mais sair das portas douradas do hotel, ouve-se o Sega, uma espécie de Reggae mauriciano que convida a um baile descalço com um rum na mão. Tropeço com galinhas, cães, carros e bicicletas que conduzem pela esquerda, à maneira inglesa. Aqui não há pressas, se alguém tem que parar no meio da estrada para falar com um amigo, o de atrás espera. Aqui o corre-corre europeu ainda não chegou.
Ilha verde onde as palmeiras, as bananeiras, as imensas plantações de cana de açúcar, flores e vegetação tropical transbordam até à orla marítima. Por ser de origem vulcânica encontramos praias de areia fina e branca decorada com pedaços de coral e praias de areia negra, com rochas e palmeiras.
Conheci a Joiti, tem 42 anos, mas podia ter 30, a pele negra sem uma única ruga e iluminada com um sorriso simpático. Conta-me que trabalha de limpeza num hotel, tem três filhas, uma de 25, outra de 22 e a mais pequena de 10 anos. Joiti fala francês e inglês perfeito, diz-me que na escola oficial as crianças aprendem a falar francês e mais tarde inglês. Entre eles falam crioulo, uma mistura de francês com palavras indígenas. Ao ver a minha câmara fotográfica, Joiti pergunta se quero uma fotografia. Digo que sim e entrego-lhe a câmara. Joiti, a empregada de limpeza transforma-se de repente e encarna o papel de fotógrafa. Ordena-me com voz grossa onde me devo colocar e que poses devo fazer. Divirto-me com a situação que dura uns bons 10 minutos, no final, peço-lhe uma fotografia em conjunto, a que acede, envergonhada. Depois ficamos a conversar, horas, sobre a vida. Dá-me conselhos, dos bons, que só podes esperar ouvir de um sábio desconhecido. Despedimo-nos com um abraço forte. Já está, fui apanhada pela forma de ser das gentes mauricianas com um coração de ouro aberto ao visitante.
Chá, divindades indianas e macacos selvagens
No dia seguinte, a caminho do planalto central e o seu cume mais alto no sudoeste, Piton de la Riviere Noire, encontramos encostas cobertas com plantações de chá. O arbusto emana um aroma próprio, adocicado. Numa das plantações que ladeiam a estrada, paro para falar com Bandu Arjunn, que limpa machetes de cortar arbustos. São 12:30 horas e já acabou a faina diária. O trabalho começou às 6 da manhã, tem fome e quer ir para casa, mas arranja tempo para mim. Conduz-me ao meio da plantação e mostra-me como apanha as folhas do chá, cuidadosamente, da mesma forma que o seu pai e o seu avô. Entre o crioulo de Bandu e o meu francês enferrujado entendemo-nos. Pergunto-lhe pelo aroma que inunda o ar. Ri-se e indica-me o caminho à fabrica do chá. Aí apresenta-me ao capataz e aos colegas da fábrica, estão na pausa do almoço. Querem uma fotografia e mostram-me o processo de secagem do chá mauriciano. Entendo agora que o aroma que se desprende em todo o vale não é realmente dos arbustos, mas da fábrica artesanal, onde as máquinas secam as folhas do chá. A história do chá mauriciano começou em 1770, quando Pierre Poivre introduziu as plantações de Camélia Sinesis, mas foi só no século XIX com a autoridade Britânica que a produção foi encorajada. Hoje só 20% da produção chega à exportação, já que o restante chá é consumido localmente.
Depois de conquistadas aos franceses, no final do século XVIII, as ilhas Maurícias foram colónia britânica até à revolução em 1968. Pertencem à Common Wealth e as atuais relações com Inglaterra são puramente comerciais e culturais. Realmente sente-se muito mais a presença francesa, nos nomes das cidades, das pessoas, no crioulo...
Volto à estrada e procuro no mapa Ganga Talao - Gran Bassin, um lago situado na cratera de um vulcão extinto e coberto de estátuas de divindades hinduístas. Começam os preparativos para o festival de Maha Shivaratri e há muitas famílias indianas que peregrinam a este lago e ao seu templo para procurar a paz. Cheira a incenso e ouvem-se mantras. Entro no templo, deixando os sapatos à entrada. Um dos monges recebe-me sem perguntas e com um sorriso, pinta-me a testa com tinta vermelha e abençoa-me.
Prossigo caminho pela região de Chamarel, as montanhas vulcânicas cobertas com vegetação tropical e as dramáticas cascatas de água das chuvas que se acumulam no planalto. É talvez a mesma paisagem virgem que os nossos antepassados descobridores Portugueses encontraram em 1505. Na floresta Macchabé os macacos selvagens deixam-se gentilmente fotografar. Em Trou-aux-Cerfs um lugar populado por turistas encontro a terra das 7 cores, uma curiosa formação geológica. As tartarugas gigantes dormem a sesta pacificamente. O almoço é no Chemin de Menusieres, um Lodge de madeira, incrustado num lugar mágico com vistas panorâmicas sobre os vales e encostas verdes que se estendem até ao mar. Provo uma deliciosa salada de beringelas de cores grelhadas com ervas. O Chef Bruno mostra-me na cozinha os segredos das especiarias mauricianas: cardamomo, erva-limão, coentros e pimenta-negra.
Calcorreando pequenas aldeias e plantações de açúcar, vêm-se muitos cães vadios. Provo uma bebida de cana de açúcar numa roulotte à beira da estrada e contam-me que há um problema sério de sobre população canina. O Governo Mauriciano tem em curso uma campanha de sensibilização para esterilizar os animais. Leti, a rapariga hindu que serve a bebida conta em registo anedótico que existem quase tantos cães como pessoas nas ilhas Maurícias.
No dia seguinte parto à descoberta da capital da ilha, Port Louis. Dirijo-me ao mercado, o melhor sítio para descobrir uma cidade, sentir uma cultura e o palpitar das suas gentes.
Aqui podemos ouvir Francês, Inglês e vários dos 13 idiomas étnicos que existem nas Maurícias, mas o mais raro, o Cutxarati, não consigo identificar. Nestas ilhas não existem autóctones, todos vieram de algum lado e talvez por isso, todos se toleram. Do milhão e duzentos mil habitantes, metade da população é de origem indiana, depois há africanos, chineses, franceses, mas todos se consideram mauricianos. A religião principal é o hinduísmo, seguindo-se o catolicismo e o islamismo. No Mercado Central sento-me ao lado de Maireen uma senhora de 62 anos. Está reformada, trabalhou para o Governo, como assistente social. Participou, na década de 80 numa grande formação oferecida pelo Governo para controlar o número de crianças. Antes as famílias tinham 10 a 13 filhos, não conheciam métodos anticonceptivos, agora têm em média 2 a 3 filhos. Maireen também me pergunta coisas sobre Europa e outra vez a conversa flui, como se nos conhecêssemos há anos.
Mais à frente, no guichet que vende bilhetes de lotaria encontro dois bonecos de voodoo feitos com cenouras. Todos os homens que fumam ao lado da tabacaria riem-se e tentam contar-me piadas sobre os bonecos e as seus atributos sexuais, mas falam num crioulo tão acentuado que não os percebo, embora possa claramente perceber a que se referem.
No mercado existem muitos legumes frescos, peixe e frutas. Mais à frente, encontramos as lojas dos têxteis: industria ainda importante na Ilha, mas que pouco a pouco vai perdendo relevância, já que as empresas levaram as fábricas para a China. Ainda assim o desemprego é só de 9%. A economia mauriciana depende essencialmente do açúcar, do turismo, da produção de rum e da exportação de atum e de peixe-espada.
Port Louis é uma cidade nervosa, com cerca de 160.000 habitantes e onde sentimos o pulso da ilha. Há uma zona mais urbana com edifícios modernos onde encontramos as principais empresas financeiras, uma marina cheia de barcos com bandeiras da Austrália e da África do sul, centros comerciais com lojas de luxo para turistas. Mas onde vivem a maioria das pessoas são em pequenas casas construídas aos poucos, começando de dentro para fora, primeiro para viver e só depois preocupando-se com a parte exterior. Todas as casas de famílias indianas são facilmente identificáveis, pelas bandeiras vermelhas que saúdam os visitantes ou pelas estátuas das divindades que abençoam os jardins.
De volta ao Long Beach Hotel perco a conta a quantos resorts de luxo de cadeias internacionais de 4 e 5 estrelas e campos de golf encontro pelo caminho. A ilha teve o primeiro campo de golfe do hemisfério sul, construído pelos ingleses em 1902.
Agora que a câmara está cheia de fotografias, a alma cheia de experiências entrego-me ao prazer simples de uma sesta debaixo de uma palmeira à beira mar, o postal típico da praia tropical. Quando o calor aperta entro na água e com uns simples óculos de snorkelling observo os corais e os peixes de várias cores e esqueço-me do mundo. Ao fim da tarde, despeço-me com os pés mergulhados na água de 30 graus e perco o olhar no halo de luz rosa que se dilui pela baía calma do Índico. Ao longe, na barreira de corais, as ondas brancas a rebentar e o sol a esconder-se devagar, porque aqui não há pressas.